Com certeza, você, leitor, já deve ter ouvido a célebre frase: “Navegar é preciso, viver não é preciso”, cuja consagração se deu a partir de um poema de Fernando Pessoa, que possui o mesmo nome do título da coluna de hoje – com exceção do “2021”. Um dos maiores poetas da história da língua portuguesa, Pessoa era, notadamente, sebastianista e tentava resgatar o patriotismo esquecido em Portugal – por meio de seus poemas, o autor versava sobre o passado heroico português.
Os portugueses tiveram um enorme papel nas grandes navegações do século XV e XVI, tornando-se, à época, uma nação sinônimo de progresso e de riquezas. O sentido da frase “navegar é preciso, viver não é preciso” pode ser interpretado como uma hipérbole para reverenciar as conquistas dos portugueses, apesar dos inúmeros percalços e fatalidades do caminho.
A real origem da frase, contudo, data do Império Romano e foi historiografada por Plutarco por volta de 70 a.C., em referência ao general Pompeu. O paralelismo posterior com a história portuguesa é claro e tem a ver com as navegações: Pompeu foi incumbido de transportar o trigo das províncias conquistadas – Sicília, Sardenha e África, entre outras – para a cidade de Roma, seio do gigantesco império. A capital passava por uma grave crise de abastecimento causada por uma rebelião de escravos, e Pompeu e seus subordinados tiveram que tomar uma difícil decisão: arriscar suas vidas no mar ou permanecer seguros em Sicília.
Nesse contexto, “Navigare necesse, vivere non est necesse.” (Navegar é necessário, viver não é necessário) foi a frase idealizada por Pompeu, que se tornou símbolo do desafio e que entrou para os anais da história, sendo adaptada, a posteriori, pelo poeta italiano Francesco Petrarca e também usada por Pessoa, que, no poema “Navegar é Preciso”, declarou: “Quero para mim o espírito desta frase”.
O poeta português jogou luz à condição humana, cuja necessidade de viver também passaria pelo uso da racionalidade como forma de avanço. Afinal, para navegar, são necessários mapas, planejamento, bússolas e astrolábios – ou, na atualidade, GPSs e celulares.
A introdução serve para balizar o tema de hoje: os três cenários para a política em 2021. Tendo metade do mandato de Bolsonaro já ficado para trás, portanto, para o mercado, fica claro que é hora de o governo mostrar a que veio. O balanço desses dois anos, em que se pese o “cisne negro” que foi a pandemia da Covid-19, não é animador, muito pelo contrário: atualmente, a nossa relação dívida/PIB está em níveis elevadíssimos, o déficit primário é realidade até, no mínimo, 2023, e as reformas, que, nesse contexto, cortam gastos irreais e que promovem maior produtividade da economia, estão estagnadas há mais de ano.
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Como já alertei em outras ocasiões nesta coluna, o Brasil parece constantemente flertar com o precipício. Estamos, mais uma vez, no limiar do caos e, para piorar, não há alerta suficiente vindo de economistas, do mercado e da sociedade civil que pareça tirar a classe política desta fatal letargia. Por isso, em 2021, navegar é preciso se quisermos ter uma nova década de prosperidade econômica e de maiores oportunidades para todos os brasileiros.
Dito isso, vamos aos três cenários políticos traçados para 2021, usando de metáforas da navegação para distinguir o cenário-base, o otimista e o pessimista:
Cenário-base (60% de probabilidade de ocorrer): Transatlântico fiscalista
Transatlânticos são navios de proporções colossais e que têm um complexo e gigantesco sistema de operação. Para efetuar mudanças no percurso de um transatlântico, não basta girar a direção, e, portanto, as rotas são previamente calculadas para, justamente, evitar qualquer necessidade de desvio.
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil tem enfrentado o desafio das contas públicas e da trajetória explosiva de gastos nas diferentes áreas de dispêndio com pessoal. A reforma da Previdência, aprovada em 2019, foi a primeira medida deste governo para ajustar o quadro fiscal do País, mas a rota fiscalista já vem sendo percorrida desde meados de 2016. É claro que, a exemplo de uma viagem transatlântica, os resultados das reformas são muitas vezes imperceptíveis no curto prazo, o que prejudica a implementação dessas medidas e as torna impopulares para qualquer governante.
No entanto, o respeito pela res publica (coisa pública) deveria ser suficiente para que políticos entendessem os sacrifícios de curto prazo em prol de um futuro, no mínimo, sustentável. Ainda que limitada, essa percepção tem aparecido muito mais no Congresso Nacional e em Brasília como um todo, mas isso ainda está distante do ideal.
Por outro lado, qualquer guinada deste transatlântico fiscalista poderia ser fatal – no caso do abandono completo das regras fiscais, muito provavelmente, o País entraria em colapso; no caso de um tsunami reformista, quem sairia perdendo seriam os próprios governantes. Por isso, o equilíbrio entre os dois polos tem sido o tom nesses dois anos de governo Bolsonaro.
No meu cenário-base, portanto, o transatlântico fiscalista continuará de maneira lenta e gradual com as reformas econômicas, havendo possibilidade de a reforma tributária avançar durante 2021 e, eventualmente, ser aprovada em 2022. Ao mesmo tempo, contudo, é praticamente certa uma nova rodada – mais enxuta e focalizada – do Auxílio Emergencial, uma vez que a pandemia não deve ser resolvida no Brasil até o fim deste ano e que uma parcela significativa de cidadãos ficará muito vulnerável, devido à segunda onda de Covid-19 neste primeiro semestre.
Do mesmo modo, os receios de uma forte deterioração fiscal farão com que o novo gasto aprovado pelo Auxílio seja incluído dentro do teto de gastos, com cortes em outras despesas obrigatórias por meio da aprovação da PEC Emergencial. A situação emergencial fará com que políticos entendam a necessidade de realocar recursos retirando alguns privilégios (isenções fiscais, fundos com destinação de recursos, etc.) para não desancorar a política fiscal brasileira. O crescimento do Produto Interno Bruto deve ser bem intermediário, com o efeito de carregamento estatístico vindo de 2020 e com uma inflação que não sairá de controle, com o Banco Central agindo via alta da Selic apenas no segundo semestre.
Ainda assim, isso será apenas um curativo para uma ferida muito maior e mais profunda que é a atual economia do País. O panorama de privatizações continuará desfavorável, e o mercado financeiro continuará dependente de promessas muito ambiciosas, mas que pouco entregam. Paulo Guedes, a princípio, fica no governo, mas pode – caso seus objetivos iniciais sejam completamente frustrados – deixar o cargo no fim do ano.
Já o presidente Bolsonaro terá que lidar com sua popularidade (~25%) menor quando comparada aos dois primeiros anos de governo, mas suficiente para que nenhum impeachment prospere no Congresso Nacional. A impossibilidade de aglomerar e o receio da população acerca das consequências da Covid-19 influenciarão diretamente na baixa ocupação das ruas contra o governo, condição essencial para que haja vontade política para destituir um presidente.
O ambiente externo deve continuar positivo, fazendo com que a Bolsa brasileira consiga sustentar os patamares conquistados depois do rali de novembro e de dezembro do ano passado. O dólar também permanecerá nos patamares atuais, oscilando entre os R$ 5,00 e R$ 5,50 no decorrer dos meses. Setores específicos, entretanto, devem sofrer por conta da pandemia ainda muito presente durante todo o ano.
Sendo assim, o transatlântico fiscalista deve continuar o seu longo trajeto rumo à sustentabilidade econômica do País, o que pode deixar algum alívio para os mais pessimistas e algumas frustrações para aqueles (hoje, poucos) que acreditavam que o Brasil decolaria neste mandato presidencial. A herança para as eleições de 2022 será, principalmente, o desafio de fazer a economia avançar sem cometer retrocessos no campo fiscal.
Cenário pessimista (30% de probabilidade): Náufrago econômico
O segundo cenário mais provável, mas ainda distante do nosso cenário-base, é o de forte deterioração da economia brasileira. Para ilustrar tal possibilidade, nada melhor do que a figura do náufrago para fazer contraponto à necessidade de navegar com reformas e outras medidas em 2021.
O náufrago econômico repetiria a fórmula da crise econômica de 2021, agravado pela situação delicada envolvendo a pandemia da Covid-19. Sem condições de resolver a questão da vacinação até 2022, o governo optaria por lançar mão de fortes estímulos econômicos para combater o desemprego e a queda da renda média do brasileiro.
O pecado, nesse caso, seria não se atentar à delicadeza do quadro fiscal, deixando de lado as principais regras dessa parte do tripé macroeconômico e, consequentemente, gerando inflação e forte depreciação cambial – beirando a insolvência fiscal. Não é preciso nem dizer que o Banco Central teria que atuar firmemente na alta da Selic para buscar apagar o incêndio inflacionário.
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Neste cenário, Bolsonaro dobraria a aposta em torno da sua reeleição, entendendo que haveria condições de suportar a pressão por uma economia disfuncional até as eleições de 2022 e garantir sua vitória por meio da sua base mais fiel e dos beneficiários do novo Auxílio Emergencial. Por meio de concessões políticas mais intensas para sua base aliada (Centrão), o presidente se blindaria de qualquer tentativa de destituição e trabalharia para responsabilizar a pandemia e a excepcionalidade da conjuntura pelo quadro econômico deteriorado.
A Bolsa de Valores teria um movimento mais elevado de realização, com o aumento das incertezas quanto ao futuro econômico que levariam empresários e companhias a adiarem suas decisões de investimento. Esse movimento poderia ser ainda mais se a Covid-19 voltar a se agravar ao redor do mundo, com os mercados internacionais também em queda.
A decisão por abandonar as âncoras fiscais representaria o rompimento total do governo Bolsonaro com o liberalismo econômico, implicando a saída de todos os nomes de mercado da equipe econômica e a adoção de uma política nacional desenvolvimentista, ainda que mais comedida em relação à experiência dos anos 2010. O estrago na economia brasileira seria bastante grande e, muito provavelmente, a próxima década seria marcada por fortes turbulências e por mais um período de crescimento muito abaixo de seus pares.
Cenário otimista (10% de probabilidade): Onda de reformas
Por fim, o cenário menos provável para 2021: uma onda forte de reformas, que facilitaria a suposta navegação rumo à sustentabilidade fiscal e ao crescimento saudável nos próximos anos.
Nesse contexto, a narrativa liberal seria, novamente, preponderante para promover uma frente ampla de reformas estruturais neste ano, a partir da percepção de que os dividendos políticos de um crescimento econômico no médio prazo seriam mais atraentes do que a atual inércia político-econômica.
O Congresso Nacional seria protagonista dessa onda, em consonância programática com o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas avançando nas pautas de maneira mais independente – tendo o governo federal papel secundário nas discussões, apenas como um fornecedor de ideias e de projetos a serem lapidados por deputados e senadores.
A pandemia se arrefeceria nos próximos meses, e a necessidade de Auxílio Emergencial para camadas mais vulneráveis seria contornada com a expansão do Programa Bolsa Família e com a extinção de outros programas, mitigando os custos fiscais e garantindo uma rede de proteção temporária para famílias mais pobres. O ano de 2021 seria um ano de crescimento moderado, mas 2022 já entraria em uma dinâmica diferente por meio das expectativas de melhora no ambiente de negócios, no setor de infraestrutura do País e com a estabilização da dívida/PIB em um horizonte próximo. A equipe econômica teria papel mais incisivo na elaboração e implementação de um programa de recuperação de postos de trabalho, iniciando um ciclo de redução de desemprego.
Essa seria a promessa que garantiria o aval de Bolsonaro para levar adiante medidas supostamente impopulares: a melhora da economia, a superação do vírus e a redução do desemprego dariam condições para que o presidente chegasse às eleições do ano que vem em plenas condições de se sair vitorioso.
Com os ventos soprando a favor, a inflação permaneceria estável, e o Banco Central teria mais tempo para continuar com sua política monetária mais expansionista, podendo, eventualmente, subir apenas de forma residual os juros básicos da economia brasileira nos últimos meses do ano. O dólar, por sua vez, entraria em patamares mais baixos, perdendo os R$ 5,00 em meio a um ambiente mais favorável para emergentes e a um Brasil com boas perspectivas.