Olá, investidores.
O Ibovespa fechou ontem (16) a 71.168,05 pontos, uma forte queda de -38,46 por cento no acumulado do ano de 2020. Esse número por si só não diz muita coisa. Parece exagerado para a maioria, mas é apenas um sentimento, que uns podem achar muito, outros pouco. Por isso, o objetivo principal do Ep.04 do Gabinete Anticaos é analisar de maneira quantitativa o que precisaria ocorrer com o crescimento das empresas brasileiras para justificar uma queda dessa magnitude da bolsa, para que possamos sair do ‘achismo’ e ter uma ideia melhor do que realmente está acontecendo.
No jargão de mercado: vamos analisar o que está implícito nesta queda. Para isso, vamos estudar o que está implícito em termos de lucro líquido das empresas no valor de mercado das empresas na queda da Bolsa.
O valor do índice Ibovespa, como a grande maioria dos nossos leitores deve saber, éé reflexo do valor de mercado e do volume negociado diário das ações das empresas que fazem parte do índice. São 70 empresas que o compõe, cada uma com um peso, de acordo com sua relevância. Para analisar o comportamento do índice, o investidor precisa entender o comportamento do preço de cada uma das empresas que fazem parte dele.
Existem inúmeras variáveis que influenciam o preço de uma ação. Economistas, matemáticos e estudiosos de finanças desenvolveram ao longo dos anos uma série de equações que simplificam as empresas e sintetizam o cálculo do seu valor justo em poucos fatores.
Em 1956, Myron J. Gordon um economista americano da Universidade de Toronto, publicou uma destas equações, chamada de “Gordon Growth Model” (GGM)1, ou “modelo de crescimento de Gordon”. A fórmula encontra o valor justo de uma empresa hoje (P), com base em 3 variáveis:
– O valor do dividendo esperado para o próximo ano (D1): quanto maior o dividendo, maior o valor da empresa;
– O crescimento constante esperado para aquele dividendo na perpetuidade (g): quanto maior o crescimento, maior o valor da empresa; e
– O custo de capital para aquela empresa (r): quanto maior o custo de capital, menor o valor da empresa
Esta fórmula foi desenvolvida para estimar o valor justo de uma empresa madura, que tem uma taxa de crescimento estável. Nós sabemos que na bolsa brasileira temos empresas dos mais diversos tamanhos e níveis de crescimento. Porém, quando pensamos no índice Ibovespa, ou qualquer índice de ações mundo afora, estamos juntando as empresas mais representativas daquela bolsa de valores e país. Desse modo, aquele conjunto de empresas é dito ser representativo daquela respectiva economia. Dessa maneira, o Ibovespa representa o Brasil, seu desempenho anda junto com desempenho da economia do país e vice-versa. Portanto, podemos fazer uma simplificação e utilizar o modelo de Gordon (GGM) para estimar o preço justo do Ibovespa, tratando o Ibovespa como uma empresa.
A primeira coisa que vamos fazer é estimar o custo de capital (r) que um investidor diversificado exigiria para investir na Bolsa no final de 2019. O custo de capital (r), com base no modelo do CAPM (modelo utilizado para precificação de ativos financeiros), é composto por 5 variáveis:
– Expectativa da taxa de inflação de longo prazo;
– Expectativa de juros real de longo prazo;
– Prêmio de risco para se investir em ações;
– Risco específico da empresa (beta); e
– Risco país.
Desde o final do ano de 2019, as 4 primeiras variáveis não sofreram um impacto significativo. No entanto, a variável do risco país sofreu uma alta significativa. Medimos comumente o risco de um país pelo seu CDS (“credit default swap”), que representa o prêmio de risco que o mercado exige para investir naquele país. No final de 2019, nosso CDS de 5 anos se encontrava em torno de 100bps (1 por centp) e desde então saltou para quase 315bps (3,15 por cento), conforme o gráfico abaixo demonstra.
Com esta alta, de cerca de 2 pontos percentuais no risco país, o custo de capital (r) passou de 11,5 por cento no final de 2019 para 13,5 atualmente. Utilizando o modelo de Gordon, mantendo as variáveis dividendo (D1) e crescimento (g) constantes, o preço do Ibovespa deveria acumular -3,4 por cento de queda no ano em função do aumento do risco percebido pelos investidores, muito menos do que a queda atual.
No entanto, além do risco, medido pelo custo de capital (r), o mercado está precificando um dividendo menor do Ibovespa para 2020 já que existe uma expectativa de que a economia cresça menos devido ao coronavirus e choque do petróleo. Nós já sabemos o dividendo pago em 2019, o que falta é justamente a variável que queremos estimar, o crescimento do lucro do Ibovespa em 20202. No final de 2019, o mercado esperava para 2020 um crescimento de 20 por cento para o lucro do Ibovespa. Com essas variáveis tínhamos a Bolsa a 115mil pontos. Agora, qual deveria ser o crescimento do lucro do Ibovespa em 2020 para que o Ibovespa valesse 71.168,05 pontos, igual ela fechou ontem?
Juntando tudo o que estimamos, o lucro do Ibovespa teria que cair -23,15 por cento em 2020, para justificar o patamar do fechamento de ontem. Ou seja, sair de +20 por cento de crescimento para uma queda de -23,15 por cento, uma variação maior que 40 por cento! Com base nas nossas estimativas essa queda não faz sentido, parece exagerada, por isso continuamos calmos com nossas recomendações, e que olhar para o fundamento, seja da economia, seja das empresas, sempre é um importante caminho para a tomada de decisões.
No próximo episódio do Gabinete Anticaos, que sairá amanhã, iremos justamente compartilhar com vocês qual nosso cenário para o PIB e crescimento do lucro das empresas em 2020, com os impactos dos acontecimentos recentes.
Até breve,
Equipe Gabinete Anticaos