Denise Campos de Toledo EECI

Vários fatores desenham cenário desfavorável para a Bolsa | Denise Campos de Toledo

A semana trouxe algumas sinalizações relevantes para a formação de expectativas quanto ao comportamento futuro do mercado. No âmbito doméstico, a alta de 0,58% do IPCA 15 em janeiro, acima do esperado e com uma disseminação maior dos aumentos, além de reforçar as projeções para cima da inflação deste ano ainda confirma as dificuldades que o Banco Central pode ter para evitar novo estouro da meta, apenas com o aumento dis juros que vem sinalizando. Mesmo com a expectativa de expansão do PIB próxima de zero, o BC pode ter de promover aperto maior da Selic. 

Vale observar que sozinho na tarefa de controlar a inflação, já que não pode contar com maior compromisso fiscal do governo, que cogita até uma PEC pra cortar tributos sobre os combustíveis, o Banco Central ainda terá de lidar com possíveis efeitos do aperto da política monetária nos Estados Unidos. Antes de tratar da questão externa, importante ressaltar que o corte dos tributos federais sobre combustíveis, além do pouco impacto sobre os preços, muito relacionados às condições externas, geraria mais rombo nas finanças públicas, com mais incertezas na área fiscal, o que pode se converter em novas pressões sobre o dólar, outro importante fator na composição de preços. Enfim, uma medida que criaria mais narrativa do que resultados no controle da inflação. 

Feita a observação, tivemos nesta semana uma nova reunião do FOMC, o Comitê do Federal Reserve, que manteve os juros básicos entre 0 e 0,25%, mas já sinalizando o início do ciclo de alta em março, com a finalização do programa de recompra de títulos e possibilidade de iniciar a redução da carteira de ativos, que, na prática, significa maior corte de liquidez. Aperto necessário para facilitar o controle da inflação que, também nos Estados Unidos, vem se mantendo persistentemente acima das expectativas.A partir dessas sinalizações, o mercado passou a trabalhar com a possibilidade de 5 e não mais 4 aumentos dos juros, pelo FED, ao longo de 2022.

Independentemente dessas indicações desfavoráveis para o mercado acionário, a Bolsa aqui seguiu na trajetória de recuperação. Tem um atraso a compensar, embora isso não signifique que possa manter um fôlego mais longo. A Bolsa brasileira, até no embalo de novas emissões, tem atraído capital muito pela defasagem de preços, o atraso que citei, favorecida também pelo excesso de liquidez no mundo, com tantos programas de estímulo lançados pelos governos e bancos centrais, que começam a ser revertidos como indica o FED. O maior aperto das políticas monetárias tende a prejudicar as bolsas, em geral, pela menor disponibilidade de recursos, fora a concorrência dos juros mais altos, especialmente nos Estados Unidos, cujos títulos são considerados de risco zero. No Brasil, em particular, o aumento projetado para a Selic e as taxas impostas pela curva de juros também exercem maior concorrência. É um cenário que, em algum momento, pode levar a ajustes mais pesados no mercado acionário. 

Vale observar que a recuperação da economia americana, com expansão de 6,9% no fechamento de 2021, deu fôlego adicional para as bolsas, inclusive no Brasil. Mas esse avanço da economia americana, bem acima do esperado, acaba dando mais tranquilidade para o FED promover os ajustes necessários para o controle da inflação. Sendo que no comunicado da reunião desta semana já havia retirado o emprego da pauta dos objetivos, antes mesmo dos novos indicadores de atividade. Com o detalhe que a previsão da Tesla de continuidade do desequilibrio na cadeia de suprimentos já deu uma freada no ânimo provocado no mercado pela forte recuperação da economia americana.

O que se tem, por enquanto, é o desenho de uma conjuntura menos favorável para a performance da Bolsa, que em boa parte também será desfavorável para uma melhor performance da nossa economia. O País terá de conviver durante boa parte deste ano com inflação ainda elevada, mesmo que caia para cerca da metade de 2021, e juros mais altos até por causa disso. Sobre a inflação ainda há risco de pressões adicionais pela alta do petróleo e outras commodities no exterior, além das safras comprometidas pelas condições climáticas, fora a possibilidade de um dólar mais alto, pelo aperto das políticas monetárias no exterior e as incertezas fiscais e políticas no campo doméstico. Sendo que os programas dos candidatos melhor colocados nas pesquisas eleitorais não têm gerado maior confiança. Isso vale até para o atual governo, com iniciativas que revelam maior foco na política do que na responsabilidade fiscal. 

É um ambiente que afugenta investidores, especialmente para a Bolsa, ainda que a elevação dos juros possa exercer maior atratividade, limitando os reflexos sobre o fluxo de recursos. Mas nesse ponto ainda fica em aberto o quanto que os juros poderão subir nos Estados Unidos em prazo maior, considerando também 2023, quando, em princípio, a Selic já poderá ter retomado uma trajetória de queda. Não sem motivos, a renda fixa começa a ser observada com mais atenção por boa parcela dos investidores, independentemente do recente embalo de recuperação da Bolsa. Aumento de incertezas pode recomendar maior conservadorismo, o que não impede que a busca por oportunidades também possa favorecer momentos de reação para a Bolsa.

Leia a última coluna da Denise Campos de Toledo: 2022: ano desafiador, com mais indefinições que certezas | Denise Campos de Toledo.

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