Imagine um país emergente com mercado financeiro bastante desenvolvido. Olhando para as cotações de mercado de juros, inflação e câmbio temos as seguintes informações:
- Taxa de juros de curto prazo: 2 por cento ao ano
- Taxa de juros futura de longo prazo (2035): 8,36 por cento ao ano
- Inflação projetada pelo Banco Central (BC) para 2021: 3,6 por cento ao ano
- Inflação implícita: 4,36 por cento ao ano
- Taxa de câmbio atual: 5,32
- Taxa de câmbio projetada para dez/21: 5,00
Tem alguma coisa errada né? Alguém está mentindo ou não parece ser o mesmo país.
Na coluna de hoje, vou falar sobre a inclinação das curvas de juros, juros reais, inflação, câmbio e a dinâmica macroeconômica do Brasil.
Direto ao ponto
Indo direto ao ponto: o que está mais errado na minha opinião é a taxa referencial de juros Selic a 2 por cento ano. A curva de juros está inclinada devido à percepção de deterioração de contas públicas do Brasil, com relação dívida pública aumentando para a faixa de 90 por cento a 100 por cento do Produto Interno Bruto (PIB).
Além disso, esse nível de taxa de juros muito baixo torna o Brasil pouco atrativo para os investidores estrangeiros no mercado de renda fixa e ocasiona saída de recursos e apreciação do dólar.
Inclinação da curva de juros
Essa semana o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu pela manutenção da taxa Selic em 2 por cento ao ano, tirou o “forward guidance” conforme esperado, mas adotou um tom mais preocupado com o cenário para a inflação.
Um indicativo da tendência dos juros em um período mais longo, o “forward guidance” havia sido instituído em agosto do ano passado, e indicava a manutenção da Selic baixa por bastante tempo.
A principal leitura é que a inflação está elevada e o BC pode ter de voltar a fazer política monetária à moda antiga, elevando os juros para conter a alta de preços.
A reação ao comunicado do Copom no mercado de juros futuros foi praticamente imediata: a taxa futura do DI com vencimento em 2035 saiu de 8,09 por cento em 15/jan para 8,36 por cento no dia 21/jan, aumento de 27 pontos base.
Chama muito a atenção a diferença entre a taxa de juros de curto prazo (Selic/CDI) de 2 por cento e os juros futuros em 8,36 por cento, uma diferença de 636 pontos base!
Alguns economistas do mercado já esperam uma elevação da taxa Selic na próxima reunião do Copom, em 17 de março. O relatório Focus do Banco Central projeta uma taxa Selic de 3,25 por cento ao ano ao final de 2021. Algumas instituições financeiras já esperam uma Selic de 3,5 por cento ao ano em 2021.
Necessidade de reformas
Qualquer dona de casa ou chefe de família sabe que não é sustentável gastar mais do que se ganha. Parece que os políticos em Brasília estão muito mais preocupados com as próximas eleições, seja no Congresso Nacional ou para a Presidência da República em 2022, do que com o teto de gastos, reformas e controle do endividamento público.
Segundo o comunicado do Copom:
“O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”.
Risco de inflação mais alta
O principal índice de inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrou 2020 com alta de 4,23 por cento, acima da meta de 4 por cento. Segundo o BC, a meta de inflação é 3,75 por cento para 2021, 3,5 por cento para 2022 e 3,25 por cento para 2023. O intervalo de tolerância é de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos.
O Copom estima uma inflação medida pelo IPCA de 3,6 por cento em 2021, comparada às projeções do mercado (relatório Focus de 18/jan) de 3,43 por cento. Acredito que o mercado irá revisar para cima a projeção de inflação para 2021.
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Inflação implícita
Outra forma de se estimar a inflação projetada no futuro é pela inflação implícita no mercado futuro de juros. Irei utilizar as taxas futuras com vencimento mais longo (2035).
A inflação implícita é calculada da seguinte forma: diferença entre a taxa nominal do futuro de DI e a taxa de juros real, expressa pelo título público do Tesouro Direto IPCA+ (NTN-B), ambos com vencimento em 2035.
Para simplificar a conta: taxa DI de 8,36 por cento menos juros reais de 3,78 por cento, portanto inflação implícita de 4,76 por cento ao ano, bem acima das projeções de mercado e do próprio Banco Central.
Taxa de câmbio
Os economistas sempre costumam dizer que o modelo de projeção macroeconômico sempre “fecha” na taxa de câmbio, ou seja, muitas vezes os desequilíbrios costumam aparecer na taxa de câmbio.
O dólar (Ptax) teve alta de 29 por cento em 2020, saindo de 4,03 reais por dólar no final de 2019 para 5,20 reais por dólar em dezembro de 2020. Em 2021, o dólar acumula valorização de 2,3 por cento, mas no mês chegou a subir 6 por cento e atualmente está no patamar de 5,32 reais por dólar (taxa média de 21/jan).
É muito difícil fazer projeções para a taxa de câmbio, mas em situações normais acredito em um viés de baixa para o dólar em 2021. Porém, enquanto a taxa de juros Selic estiver fora do lugar, poderemos ter valorização do dólar frente ao real.
Conclusão
Se o Brasil não fizer a sua “lição de casa” que é reduzir o peso da máquina estatal, com reformas, privatizações, corte de gastos e equilíbrio das contas públicas, teremos de conviver com taxas de inflação mais altas no longo prazo, que irão corroer o poder de compra dos brasileiros.
O Tesouro Nacional terá de rolar a dívida pagando taxas mais altas, o que vai deixar a curva de juros ainda mais inclinada.
Acredito que o principal risco para os investimentos em 2021 é a situação fiscal, pressão de alta na inflação e descontrole das contas públicas.
Por enquanto, a abundante liquidez mundial proporcionou entrada recorde de investidores estrangeiros na B3: 18 bilhões de reais até 14 de janeiro. Mas não sei até quando esse “céu azul” vai persistir na Bolsa, com o Ibovespa encerrando a semana no território negativo em janeiro de 2021 (queda acumulada próxima de 2 por cento).
Saideira
A gente sabe que o brasileiro sempre empurra tudo com a barriga. Assim, não espero que as grandes reformas estruturais, em especial a tributária, sejam aprovadas pelo Congresso em 2021, mas também não acho que o Governo Federal vai “bater o pênalti na torcida” e furar o teto de gastos. Esse é o principal fator de risco a ser monitorado em 2021.
Bom resto de domingo e um abraço,
Eduardo Guimarães.