É natural que políticos eleitos tenham desenhado um programa hipotético de governo e, por uma série de variáveis, não consigam cumprir com 100% do prometido nessas cartas. Como já falei por aqui, a política é – e sempre será – a arte do possível.
Nesse sentido, realizar todo um programa de governo é virtualmente impossível, uma vez que requereria não fazer nenhum tipo de concessão para grupos políticos divergentes. Os melhores governantes são aqueles que conseguem pôr em prática o máximo de suas agendas, sem deixar de ter um apoio legislativo que viabilize suas propostas.
Muito se fala da dificuldade de levar, por exemplo, a agenda de reformas adiante no Brasil. Entre as justificativas, estão as supostas relações espúrias de deputados e senadores com o Executivo e as pressões contrárias de grupos organizados – notadamente contra quaisquer mudanças no status quo. O segundo motivo é, de fato, um dos maiores desafios a serem enfrentados no País: o rent-seeking corporativista que atrasa a economia como um todo, em detrimento de meia dúzia de privilégios travestidos de direitos.
O primeiro, contudo, já não é totalmente verdadeiro. O processo de alcançar um consenso político é extremamente desgastante, tomando tempo e recursos do Executivo. Por outro lado, o Congresso Nacional, hoje, tem o perfil mais reformista dos últimos 30 anos, e, muitas vezes, a falta de vontade política encontra-se dentro mesmo do governo federal.
Para ilustrar o que seria essa carência, trago o programa de governo de Jair Bolsonaro, divulgado em meados de 2018 – quando este ainda era candidato ao cargo que hoje ocupa. O slogan da parte econômica era forte e imponente: Mais Brasil, Menos Brasília. Dois anos depois, parece que recaiu sobre muitos o choque de realidade – sem Brasília, feliz ou infelizmente, não há Brasil.
Mais alarmante que isso, entretanto, é o discurso presente no plano de governo, mas que poucas vezes prosperou na prática durante todo o atual mandato. Grifo: “As economias de mercado são historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo.” Até agora, muito pouco dessa filosofia foi levada adiante.
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Em outro trecho, especificamente sobre estatais, o plano de governo aponta que a União possui um número escandaloso de empresas estatais (147) e que “muitas delas estiveram envolvidas em uma série de escândalos sobre desvios de recursos e ingerência política”. O objetivo de Bolsonaro seria, logicamente, acabar com tais práticas.
Ledo engano. O mercado – essa força onipresente que reflete o sentimento da maioria dos investidores – ficou assustado (para não dizer indignado) quando foi divulgado que André Brandão, o presidente do Banco do Brasil, estaria na iminência da exoneração por ter promovido um pacote de fechamento de agências e um Programa de Demissão Voluntária (PDV). Ainda que a demissão seja, eventualmente, revertida – como parece que será, segundo as informações mais recentes –, o fantasma da ingerência política voltou a assombrar as estatais.
Nesse caso, não existem “Rodrigos Maias” ou “Dias Toffolis” para culpar: a insatisfação de Bolsonaro com um programa que visa trazer maior eficiência operacional para um banco estatal é fruto de seu descompromisso com o liberalismo, tão exaltado na carta de plano de governo.
O atual presidente do Banco do Brasil é indicado de Paulo Guedes e apadrinhado de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Brandão tem longa carreira no mercado financeiro e é respeitado pelo mercado, tendo sido nomeado, justamente, para tornar o Banco do Brasil mais eficiente e rentável. Entre seus pares, o banco é um dos que mais sofre em relação à percepção sobre o potencial de crescimento e rentabilidade, e o revés sobre uma medida que visa ganhar eficiência tem forte impacto negativo sobre esse quesito.
Vale reiterar, ainda, que o fechamento de agências e a redução do número de empregados é uma tendência para os bancos no mundo inteiro, algo natural com a digitalização dos serviços bancários. Sendo assim, a possibilidade de o governo vetar medidas que visam modernizar a estrutura do banco devido a possíveis desgastes políticos deve gerar frustração ao mercado, que vinha com uma expectativa de uma gestão menos ligada a decisões políticas.
Em outras palavras, além de incoerente com o que prega o ministério da Economia, o “veto” presidencial é retrógrado, podendo ter consequências profundas na lucratividade de um dos maiores bancos do País. Ao mesmo tempo, parece improvável que Brandão consinta tamanha interferência. Na apresentação institucional do BB nesse terceiro trimestre de 2020 (o mais recente), o penúltimo slide destaca as prioridades para “olhar adiante”, sendo uma das maiores a “eficiência e redução de despesas”. Ora, se o executivo foi contratado, justamente, para aprimorar a gestão e a operação do banco, mas isso não é desejo de seus superiores, por que então ficar no comando?
Parece cristalino que a demissão de Brandão está temporariamente suspensa, mas é somente uma questão de tempo para que seja consumada. Infelizmente, parece que a insatisfação do presidente é motivo suficiente para suspender as medidas de corte de despesas e, nesse contexto, o atual presidente do banco não deve permanecer no cargo por muito mais tempo.
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Os mais céticos diriam que não foi por falta de aviso, mas o Posto Ipiranga seria, cedo ou tarde, solapado pelo poder de quem realmente manda. Eu ainda acredito que haja iniciativas verdadeiramente liberais no governo, mas a palavra final não tem nada de liberal. Nesse funcionamento, parece mais provável que a equipe econômica continue apagando incêndios como o dessa semana ao invés de articular a construção de uma agenda reformista. Trocando em miúdos, não seria exagero dizer que se houver alguma reforma aprovada em 2021 e 2022, ela será a despeito da maioria do Executivo. As pesadas correntes do dirigismo ainda conseguem nos prender no atraso econômico e político.