A economia comportamental é um tema cada vez mais discutido no mundo dos investimentos. A Levante convidou um dos maiores especialistas sobre o assunto para escrever a cada 15 dias. Sérgio Almeida é professor de teoria econômica na USP e doutor na área de economia comportamental e experimental pela Universidade de Nottingham. Bom proveito!
Ser desatencioso pode ser custoso
Muitas pessoas pagam multas e juros por não atentarem à data de pagamento da fatura do cartão de crédito. Muitos pagam mais caro por itens comprados em sites de venda com múltiplos vendedores por não prestarem atenção aos custos de frete embutidos no preço final. Tantas outras adquirem carros bastante custosos por prestarem atenção ao preço de compra, mas não aos custos com combustível e com peças e manutenção do veículo.
Mas quando lidamos com decisões de investimento, é natural acreditar que nossa atenção é máxima. Os incentivos para prestar atenção, afinal, são mais fortes. De fato, modelos canônicos de finanças ditam que investidores devem reavaliar suas carteiras sempre que o preço dos ativos flutuarem – e muitos flutuam frequentemente.
Esse balanceamento constante de carteira visa alinhar sua composição com a composição “ótima” à luz de objetivos e perfis de aversão a risco do investidor. A atenção aos movimentos do preço dos ativos na carteira do investidor é absolutamente obrigatória se se quer ter uma carteira em sintonia com os objetivos do investidor.
A verdade, todavia, é que em praticamente qualquer problema de escolha, há uma miríade de elementos envolvidos que escolhemos ignorar total ou parcialmente.
O papel da economia comportamental
Há uma crescente literatura científica na área de economia comportamental explorando as causas e implicações do que os economistas chamam de inatenção.
Não é exatamente claro ainda em que contextos essa inatenção é mais saliente – muito embora já exista evidência de que, no contexto dos mercados financeiras, a desatenção humana com relação ao preço de um ativo piore quando há várias outras notícias no mercado.
A inatenção é um tipo de resposta lenta à nova informação. Não por acaso, pode se confundir com uma reação lenta provocada por algum tipo de “rigidez” informacional ou de ação (o indivíduo incorre em algum tipo de custo pecuniário ou cognitivo para adquirir nova informação ou mudar seu comportamento) ou a algum tipo de hábito (uma espécie de inercia comportamental).
Ignorar, conscientemente ou não, informações e atributos dos problemas de escolha com o qual nos deparamos parece, portanto, algum tipo de “racionalidade imperfeita” ou deficiência cognitiva.
A racionalidade da inatenção
É possível, todavia, que exista um elemento de racionalidade na inatenção.
Alguns modelos de decisão dentro da área de economia comportamental postulam que, em um dado momento, derivamos prazer de duas coisas. De um lado, do nosso consumo corrente. Do outro lado, da frustração ou surpresa que esse consumo produz à luz das expectativas que o investidor tinha sobre quanto consumiria agora.
Se adicionarmos aqui a ideia de que notícias ruins são psicologicamente mais custosas do que notícias boas, temos aqui os elementos suficientes para justificar a inatenção.
A ideia é simples: se más notícias desagradam o investidor mais do que boas notícias, é absolutamente racional evitar se informar sobre o preço dos ativos na sua carteira e postergar seu rebalanceamento.
Essa seria uma das justificativas para que os investidores delegassem a administração e ajuste de suas carteiras às mãos de gerentes especializados e financiassem seu consumo corrente com outros recursos, por exemplo, em conta corrente.
Ignorância seletiva
Veja que não se trata de advogar pela desatenção. Mas de reconhecer que a ignorância seletiva de certas informações pode ser uma resposta racional, tanto à escassez de recursos cognitivos quanto ao impacto emocional e sobre nosso comportamento que certas informações podem ter.
Steve Jobs parece que estava certo quando disse “é somente dizendo não que você pode se concentrar nas coisas que são realmente importantes”. Para focar na informação que importa, é preciso ignorar algumas.