Chamar alguém de maquiavélico é uma ofensa. Indica alguém manipulador, sem escrúpulos, amoral, capaz de fazer qualquer coisa para atingir seus fins. No entanto, a origem da palavra não é tão negativa. Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi o primeiro pensador da Era Moderna a tratar a política de maneira científica. Sua obra mais conhecida, “O Príncipe”, é muito citada, pouco lida e pouquíssimo compreendida. O livro é um manual de estratégia política. Um roteiro prático para os príncipes tomarem e manterem o poder. Discute como cooptar apoios e neutralizar adversários, e como atingir seus objetivos da maneira mais eficiente possível.
Uma das recomendações do livro é: quando o soberano tiver de fazer algo mau, que o faça de uma vez só. Porém, quando for praticar o bem, deve fazê-lo a conta-gotas. A psicologia moderna explica isso muito bem. A mente humana vive de comparações. Ao fazer o mal, o governante causa traumas. Se o trauma for único, ele perderá importância com o tempo. O mesmo vale para o bem. Um grande ato de bondade perde relevância com o tempo, ao passo que vários pequenos atos de bondade permanecem mais tempo na memória.
O que tudo isso tem a ver com o Banco Central (BC)? Uma análise da Ata da 237ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na manhã desta terça-feira (23), mostra que o BC foi – no bom sentido – maquiavélico. Em sua reunião encerrada no dia 17 de março, o Copom elevou a taxa Selic para 2,75 por cento ao ano. A decisão superou as projeções, que previam um aumento para 2,50 por cento. Mais do que isso, o Copom praticamente prometeu outra elevação do mesmo tamanho na próxima reunião, marcada para maio. A Ata publicada nesta terça-feira é ainda mais explícita. Vale a pena citar. “O Comitê avaliou que, para a próxima reunião, seria adequada a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude. O Copom lembrou que essa visão para a próxima reunião pode ser alterada caso haja uma mudança significativa nas projeções de inflação ou balanço de riscos.” Ou seja, não é absurdo pensar que o Copom pode elevar os juros em mais de 0,75 ponto percentual em maio. Por via das dúvidas, a edição mais recente do Relatório Focus, divulgada na segunda-feira (22), traz uma elevação da Selic esperada para dezembro. O prognóstico mais recente é de 5 por cento ao ano, ante 4,50 por cento da semana anterior e 4 por cento há três semanas.
Por que elevar tanto os juros? A própria Ata traz a resposta, no parágrafo 15. “A demora na normalização das cadeias produtivas, pressionando custos de produção e inflação em setores específicos, sugere que há também um choque positivo de demanda atuando.” E o Copom vai mais fundo. “As pressões inflacionárias observadas em 2021 podem contaminar as expectativas de inflação para 2022, gerando risco de uma desancoragem das expectativas no horizonte relevante de política monetária.” Ou seja, o BC teme que a alta dos preços registrada neste ano comece a influenciar os reajustes já para o ano que vem.
Se isso se confirmasse, o BC teria de elevar muito os juros e mantê-los elevados por muito mais tempo para conter a inflação. Assim, o Copom foi prudente ao ser maquiavélico. Resolveu elevar os juros mais do que era esperado no curto prazo (fazer o mal de uma só vez), para resolver o problema logo e poder baixar os juros mais depressa no futuro (fazer o bem a conta-gotas).
E Eu Com Isso?
A terça-feira promete ser mais um dia negativo no mercado. Os investidores estão à espera das declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Jerome Powell e da secretária do Tesouro, Janet Yellen, que deverão falar no Congresso nesta terça-feira. Os prognósticos são de que defendam a manutenção dos estímulos à economia apesar do crescimento acelerado previsto para este ano. No entanto, os números ruins para a pandemia estão fazendo os contratos futuros do Ibovespa e do índice americano S&P 500 iniciar o dia em queda.