Crescimento fraco da economia vai manter o câmbio valorizado
É possível comentar o crescimento de 1,1 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, divulgado na quarta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) olhando para dois momentos do mesmo número. Na primeira edição de 2019 do Boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central (BC), a projeção de crescimento da economia para o ano passado era de 2,53 por cento. Na última edição de 2019, esse prognóstico havia recuado para 1,17 por cento.
A queda pela metade nas expectativas se justificou por vários motivos. Alguns problemas externos, como a guerra comercial entre Estados Unidos e China, que desacelerou as economias dos dois maiores parceiros comerciais do Brasil. E dificuldades internas, como a demora na tramitação da Reforma da Previdência, essencial para estancar um crescimento insustentável da dívida pública.
Segundo o IBGE, os gastos das famílias brasileiras permaneceram como o principal motor da economia. O consumo cresceu 1,8 por cento, ajudado pela expansão do crédito e pela liberação de saques do FGTS, informou o IBGE. Os investimentos cresceram 2,2 por cento no ano passado, graças a alguns setores da iniciativa privada, como a construção civil. No entanto, a infraestrutura ainda não mostra reação. E, apesar dos recursos extraordinários e da redução dos juros à mínima histórica, o gasto das famílias perdeu fôlego. O crescimento do consumo encerrou o ano abaixo do registrado em 2018.
Ao mesmo tempo, o governo gastou menos, contribuindo para desacelerar o ritmo do PIB no ano passado. Os gastos do governo diminuíram 0,4 por cento em relação a 2018. E, segundo dados do Ministério da Economia, o investimento público recuou mais de 5 por cento, indicando que o PIB do setor público caiu mais de 1 por cento no ano passado.
No fim do ano, houve alguma frustração com o ritmo de recuperação. O PIB cresceu 0,5 por cento no quarto trimestre em relação ao terceiro trimestre de 2019, mas, a despeito das liberações de saques do FGTS, o comércio ficou estagnado. Os investimentos despencaram 3,3 por cento, puxados pelo mau desempenho da construção.
O início de 2020 não deve trazer alívio. Segundo o IBGE, os resultados do PIB do primeiro trimestre deste ano mostrarão os impactos do surto de coronavírus sobre a economia. As estimativas do mercado financeiro apontam agora para um crescimento de 0,2 por cento na comparação com o quarto trimestre de 2019.
Se nada mudar, essa narrativa tende a se repetir neste ano. Na primeira edição do Focus de 2020, a projeção de crescimento da economia brasileira para o ano era de 2,30 por cento. Na mais recente, divulgada na segunda-feira (2), a estimativa recuou levemente, para 2,17 por cento.
Ao comentar os resultados do PIB de 2019 na tarde da quarta-feira, o ministro Paulo Guedes disse estar “surpreso com a surpresa” provocada pela cifra. “Até agora, eu não diria que houve surpresa nenhuma. Estou surpreso com a surpresa que vocês estão tendo”, disse Guedes à imprensa ao fim de uma cerimônia no Palácio do Planalto. Ao sair do prédio do ministério em Brasília para ir ao evento, Guedes já havia afirmado não ter entendido a “comoção” com o resultado. E, inadvertidamente, Guedes já começou a avisar o mercado de que o viés do PIB de 2020 é de baixa. “Neste ano podemos crescer mais de 2 por cento, se prosseguirmos com as reformas”, disse Guedes no fim da tarde da quarta-feira em Brasília. Com isso, Guedes retificou o prognóstico oficial do início do ano, que previa uma expansão de 2,4 por cento.
O PIB mais fraco e a aparente onda de reduções de taxas de juros pelos principais bancos centrais elevaram os prognósticos de que o Banco Central (BC) poderá reduzir a taxa referencial Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcado para os dias 17 e 18 de março. Atualmente em 4,25 por cento ao ano, a Selic pode ser reduzida em até meio ponto percentual, para 3,75 por cento ao ano. E mais de um profissional do mercado avalia que o movimento não deve parar por aí. Em maio, o Copom pode cortar novamente os juros, reduzindo a Selic para 3,5 por cento ao ano.
Mantida da projeção de 3,20 por cento da inflação, essa Selic deixaria os juros reais muito perto de zero, reduzindo bastante a atratividade das aplicações de renda fixa e diminuindo o fluxo de dólares para o País. Por isso, a taxa de câmbio vem engatando recorde atrás de recorde. Nesta quinta-feira (5), o dólar iniciou os negócios a 4,60 reais, no que promete ser mais um dia de alta forte, exceto se houver uma intervenção pesada do Banco Central (BC) no mercado.
A repercussão do PIB mais fraco e a expansão da epidemia do coronavírus nos Estados Unidos podem provocar uma forte volatilidade no mercado. As ações abriram em baixa e o dólar abriu em alta, mostrando que a quinta-feira promete ser tensa.
INTERNACIONAL – A Califórnia decretou estado de emergência na noite da quarta-feira após registrar uma morte decorrente do coronavírus. Foi a primeira vítima fatal fora do estado de Washington, no norte da Costa Oeste, e a décima-primeira morte decorrente da infecção a ser registrada em território americano. Isso deverá afetar os mercados na Europa e nos Estados Unidos.
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