Na coluna de hoje, vou falar sobre como analisar os resultados trimestrais das empresas de commodities. Vamos ver quais são os indicadores mais importantes, o que evitar e como sair das pegadinhas dos releases e das informações financeiras das empresas de capital aberto na B3.
Primeiro: esqueça a última linha
Para começar, esqueça o lucro líquido das empresas na demonstração de resultado (DRE). Manchetes como “empresa ABC reverte prejuízo, lucra x bilhões, com aumento de lucro de mil por cento” não têm o menor sentido e contribuem muito pouco com a análise do resultado de uma produtora de commodities.
Não faz sentido analisar o lucro líquido de uma exportadora que produz commodities, pois existe um resultado financeiro (positivo ou negativo) provocado pela variação cambial que NÃO tem impacto caixa no resultado.
A variação do câmbio tem impacto direto (para cima ou para baixo) no endividamento em dólar das empresas. Essa variação passa no resultado financeiro na linha de variação cambial, sem pagamento efetivo em casa.
Por onde começar?
Projetar a receita de companhias de commodities é bem fácil: preço do produto multiplicado pelo volume de vendas. Entretanto, é muito difícil saber o preço das commodities (minério de ferro, celulose, petróleo).
Acredito que toda análise deve começar com o resultado operacional, às vezes divulgado antes pelas empresas (ex: Vale). Assim, dados de produção e vendas são a base de um resultado na linha de receita líquida, junto com o preço internacional do produto vendido pela empresa, que depende da taxa de câmbio.
Portanto, eu diria que é quase impossível projetar com exatidão o preço da commodity em dólar e, ainda por cima, acertar a taxa de câmbio média. Felizmente, o resultado das empresas é divulgado em até 45 dias após o fechamento do trimestre. Assim, quando sai o resultado completo, já temos o preço médio da commodity no período e o dólar médio e podemos até saber o volume de vendas.
Consenso de mercado
Acabou de sair o resultado da empresa de commodities. Quais números os investidores devem olhar? Bem simples: receita líquida, Ebitda (lucro operacional antes dos juros, impostos, depreciação e amortização), fluxo de caixa operacional e nível de endividamento.
Deve-se comparar os números divulgados de receita líquida e Ebitda no release da empresa com os números do consenso do mercado, que são a média das projeções dos analistas que acompanham a empresa.
Essa informação nem sempre é fácil de se obter gratuitamente, pois as empresas que compilam as projeções (Bloomberg, Factset e Refinitiv) cobram pelo serviço. Uma alternativa é acompanhar os relatórios da Levante ou de jornais (ex: Valor) que divulgam esse consenso.
Ebitda: use com cuidado
A minha recomendação é sempre tomar muito cuidado com os números que podem ser ajustados por itens não recorrentes. Recomendo que você analise sempre a métrica de geração de caixa medida pelo Ebitda sem os ajustes e/ou itens não recorrentes. Para isso, a fonte ideal de informações é a demonstração do resultado do ITR (informações financeiras trimestrais).
Na maior parte das vezes, despesas classificadas como não recorrentes são, na verdade, recorrentes. Por exemplo, a provisão para pagamento de bônus dos executivos, créditos fiscais que aumentam o Ebitda e podem não aparecer na conta, além de despesas com advogados e despesas com pessoal para integração de empresas adquiridas.
O fluxo de caixa é o rei
Uma demonstração financeira que é muito importante, embora o mercado preste pouca atenção, é a de fluxo de caixa. Ou seja, qual foi a variação no saldo de caixa e das aplicações financeiras da empresa.
O fluxo de caixa relaciona a demonstração de resultados com o balanço patrimonial de uma empresa. Eu gosto muito da seguinte metáfora: o balanço patrimonial seria a caixa d’água e o fluxo de caixa são as entradas e as saídas de água no período. Só é possível saber o volume final da caixa d’água se soubermos o volume inicial e as entradas/saídas durante o ano.
No caso das empresas de commodities, empresas de capital intensivo como no setor de papel e celulose, o investimento (Capex) é um item bastante importante no fluxo de caixa.
Em linhas gerais, o fluxo de caixa operacional de uma empresa é calculado da seguinte forma: Ebitda menos investimentos, menos impostos e menos variação no capital de giro.
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Nível de endividamento
Um dos principais indicadores da análise fundamentalista é o endividamento líquido. Aqui, não tem como a empresa mostrar números diferentes ou “ajustados”. É muito importante observar a variação do endividamento líquido do período e compará-la com o Ebitda nos últimos 12 meses, a chamada alavancagem financeira (dívida líquida/Ebitda).
O endividamento líquido é calculado da seguinte forma: endividamento bruto (empréstimos e debêntures) subtraindo-se o caixa e as aplicações financeiras no balanço da empresa. É melhor olhar as demonstrações financeiras (ITR) e não o release de resultados, que nem sempre é confiável. O número do release pode não estar correto ou pode desconsiderar alguma dívida. No limite, vale a pena olhar a nota explicativa do endividamento nas ITR para conferir.
Outro ponto importante é ver o percentual do endividamento bruto no curto prazo, com vencimento em 12 meses e, se a posição de caixa é suficiente para cobrir os vencimentos de curto prazo.
Exemplo da vida real: resultado 1T21 da Suzano
Para encerrar a coluna de hoje, usarei um exemplo da vida real com a análise sobre o resultado do primeiro trimestre de 2021 da Suzano, divulgado na quarta-feira (12/maio).
Como diria Jack, vamos por partes:
Eu comecei com o volume de vendas de celulose de mercado: 2,65 milhões de toneladas, redução de 7 por cento em relação ao 1T20. Nesse caso, a comparação deve ser anual, com o primeiro trimestre do ano anterior, pois existe sazonalidade na operação.
A receita líquida consolidada totalizou 8,9 bilhões de reais, praticamente em linha com o consenso de mercado de 9 bilhões de reais, crescimento de 27 por cento em relação ao 1T20.
A segunda linha mais importante do resultado é o Ebitda, primeira linha de demonstração do fluxo de caixa. O Ebitda atingiu 4,87 bilhões de reais no 1T21, ligeiramente abaixo do esperado (4,93 bilhões de reais), com expansão de 61 por cento em relação ao 1T20 e crescimento de 21 por cento em relação ao 4T20. A margem Ebitda foi de 55 por cento no trimestre, bem superior à margem de 43 por cento no 1T20, e de 49 por cento no 4T20. Ponto positivo para o resultado, pois houve expansão da margem Ebitda.
O crescimento da margem Ebitda da Suzano é possível devido ao seu baixo custo caixa de produção, um dos menores do mundo, estável em 623 reais por tonelada.
A geração de caixa operacional totalizou 3,9 bilhões de reais no trimestre, acima do 1T20 (2,3 bilhões) e do 4T20 (3,0 bilhões de reais).
Essa geração de caixa se refletiu no nível de endividamento líquido da Suzano: a relação entre dívida líquida e Ebitda 12 meses, em dólar, saiu de um patamar de 4,8 vezes, no fim de março de 2020, para 3,8 vezes, no fim de março de 2021.
O endividamento de curto prazo da Suzano é de 2,1 bilhões de reais, equivalente a apenas 3,8 por cento da dívida bruta, com sólida posição de caixa de 9,6 bilhões no fim de março de 2021.
Por último, o ponto mais forte do resultado do 1T21 da Suzano foi a geração de caixa e a redução do nível de endividamento, o que possibilitou que a produtora de celulose anunciasse um novo projeto de expansão de capacidade de produção.
Projeto Cerrado
O novo projeto da expansão da Suzano será em Ribas do Rio Pardo, a 100 quilômetros de Campo Grande (MT), com um investimento de 15 bilhões de reais numa planta com capacidade de produção de 2,3 milhões de toneladas de celulose por ano, um aumento de 20 por cento na capacidade produtiva.
Abraços,
Eduardo Guimarães
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