Na coluna de hoje, vou falar sobre as aquisições hostis na Bolsa de Valores, quando uma empresa adquire ações de outra (geralmente concorrente) no mercado, como foi o caso da Marfrig (MRFG3) que arrematou ações da BR Foods (BRFS3) na semana passada.
Aquisição hostil
O termo aquisição hostil, do inglês hostile takeover, teve origem nos Estados Unidos e ocorre quando a compradora tenta tomar o controle de seu alvo contra a vontade da Administração da empresa alvo (target).
Há duas formas de se fazer uma aquisição hostil: i) comprando ações no mercado diretamente dos acionistas ou; ii) fazendo uma oferta pública de aquisição (tender offer).
Pílula de veneno
Como a maioria das empresas de capital aberto nos Estados Unidos são corporations, ou seja, não têm um acionista controlador definido, existe a cláusula da pílula de veneno (poison pill) no estatuto social.
A pílula de veneno determina que quando uma compradora adquire no mercado um percentual determinado de ações da empresa-alvo, a compradora precisa fazer uma oferta pública de aquisição (OPA), com certas condições de preço das ações (ex: média dos últimos pregões).
Caso prático da Marfrig e BRF
No dia 21 de maio, a Marfrig (MRFG3) e a BRF (BRFS3) divulgaram Fato Relevante, anunciando a compra de 24,23 por cento de participação no capital da BRF pela Marfrig.
No comunicado, a Marfrig afirma que: “a aquisição relevante faz parte da diversificação dos investimentos da companhia em um segmento que possui complementaridades com o setor de atuação e não tem a intenção de eleger conselheiros e nem influenciar as decisões da gestão”.
Aquisição hostil
A Marfrig comprou as ações da BRF no mercado durante a semana passada e conseguiu “esconder” quem estava comprando os papéis da dona da Sadia e Perdigão.
Eu falei “esconder” porque as empresas precisam informar o mercado quando qualquer acionista atinge 5 por cento de participação no capital. No caso da Marfrig e da BRF, o mercado ficou sabendo que a Marfrig era a compradora apenas quando a mesma já possuía mais de 24 por cento.
Inclusive, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está abrindo uma investigação para apurar os motivos de a Marfrig não ter comunicado imediatamente o órgão sobre a movimentação, dado que ultrapassou os 5, 10 e 15 por cento de participação relevantes, obrigatório por lei.
Pílula de veneno da BRF
A regra da pílula de veneno (poison pill) da BRF, ou seja, gatilho de obrigatoriedade de uma oferta pública de aquisição é de 33,33 por cento da participação, o que obrigaria o comprador a realizar uma oferta para os demais acionistas para a compra da companhia toda com um prêmio de 40 por cento sobre o preço médio de mercado.
Estratégia não fecha
Acredito que uma possível fusão entre a Marfrig, produtora de carne bovina com grande exposição nos mercados dos EUA, e a BRF, produtora de frango e de carne suína, não faz muito sentido do ponto de vista de ganhos de sinergias operacionais.
Adicionalmente, não existe um alinhamento entre os atuais acionistas, o empresário Marcos Molina (controlador da Marfrig) e os fundos de pensão Previ e Petros (os principais acionistas da BRF).
Apesar do comunicado da Marfrig exposto acima, acredito que a empresa pretende sim mudar o Conselho de Administração em 2022 e influenciar na Administração da BRF.
Embora não existam sinergias operacionais relevantes, há uma complementaridade em termos de resultados, dado que o ciclo do frango e dos suínos tende a ter correlação inversa à do boi.
Somente para lembrar que a Seara (atualmente da JBS) já foi da Marfrig, que vendeu a divisão produtora de frango no passado para reduzir seu nível de endividamento consolidado.
Tentativa de fusão frustrada entre Marfrig e BRF em 2019
Em 2019, já houve uma tentativa de fusão entre a BRF e a Marfrig. Ela acabou não saindo, já que não houve acordo entre os principais acionistas. As duas empresas estavam com alto nível de endividamento e as sinergias operacionais não pareciam tão óbvias.
Já escrevi uma coluna Domingo de Valor sobre o assunto: https://levanteideias.com.br/artigos/domingo-de-valor/por-tras-da-fusao-brf-marfrig/
Desta vez, a Marfrig tem “bala na agulha” e uma sólida posição de caixa devido ao bom resultado de suas operações de carne bovina nos EUA.
Posição de caixa da Marfrig
Ao comprar ações da BRF no mercado, a Marfrig teve de fazer um aporte de caixa de cerca de 4,4 bilhões de reais, o que aumentou a alavancagem financeira da companhia de 1,76 vezes (relação entre dívida líquida e Ebitda), reportado ao fim do 1T21, para 2,19 vezes, um patamar ainda saudável, dados os resultados recentes gerados.
Conclusão
Por enquanto, a Marfrig fica impedida de fazer qualquer movimentação em relação à Administração e à tomada de decisões na BRF.
No caso de uma possível fusão, acredito que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não deverá dificultar um aval para a transação, dado que as companhias operam em mercados distintos, além de a JBS ter debaixo de sua operação a Seara e a JBS Brasil, o equivalente à BRF e a Marfrig, em uma comparação mais imediata.
Ainda há muita especulação e poucas definições a respeito da motivação e dos efeitos práticos de uma aquisição tão relevante para o longo prazo. Porém, em caso de fusão, a execução pode ser um tanto quanto difícil, devido ao tamanho de ambas as empresas, além de as operações serem demasiadamente distintas. Porém, em caso de desfecho favorável e boa condução das empresas, o futuro tende a ser promissor, com mais uma gigante das proteínas no mercado, a exemplo da Tyson Foods (listada nos EUA) e JBS.
Por enquanto, a BRF segue com seu plano ambicioso para 2030 e a Marfrig segue gerando resultados recordes com sua operação nos EUA.
Dica de livro
Por último, eu recomendo um dos melhores livros sobre o assunto aquisições hostis: Barbarians at the gate, The Fall of RJR Nabisco é um livro de 1989 sobre a compra alavancada da RJR Nabisco.
A obra Os selvagens de Wall Street conta a história de uma das maiores aquisições hostis da história dos EUA e descreve os bastidores da disputa pelo controle da Nabisco: de um lado a KKR, do outro os fundos de private equity. No meio, a Administração da empresa sob pressão.
No final, quem venceu a disputa foi a KKR. Só que ela acabou sofrendo da maldição do vencedor, pois acabou pagando caro pela empresa e não conseguiu rentabilizar o investimento.
Abraços,
Eduardo Guimarães.
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