O início da flexibilização dos juros já era esperado, mas para parte do mercado o corte de 0,50 ponto da Selic, que caiu para 13,25% foi uma surpresa. Isso muito pela postura cautelosa que o Comitê vinha mantendo há muito tempo. Foi o primeiro corte em três anos, período em que a taxa básica saiu do recorde de baixa de 2% para um dos maiores níveis do mundo em temos nominais e reais. Mas avaliações técnicas apontavam até que o início dos cortes já poderia ter sido na reunião anterior, em junho, quando a cautela ainda prevaleceu.
Agora a decisão ainda foi dividida, com um placar de 5 a 4. A favor do corte de 0,50 esteve o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e mais quatro diretores , incluindo os recém indicados pelo governo: Ailton de Aquino Santos e o ex-secretário do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. Outros quatro defendiam corte de 0,25. Portando, não dá pra saber se sem os novos dois integrantes a decisão seria a mesma. Mas a postura de Campos Neto pode esfriar a pressão política, embora não se possa dizer que foi em consequência dessa pressão.
Fato é que vários fatores vinham formando um cenário bem favorável para os cortes e em dosagem maior. No comunicado, o Copom ressaltou um dos principais, que é a queda da inflação. O IPCA vem em desaceleração, inclusive com possibilidade de nova variação negativa sem julho. Em junho recuou 0,08% e o IPCA 15 de julho ficou em -0,07%. Sem esquecer a deflação acentuada do IGPM, que deve fechar 2023 no campo negativo. As projeções também vêm recuando. No último Focus a previsão para este ano ficou em 4,84%, já não tão distante do teto da meta, que é 4,75%. Ainda é cedo para expectativa mais otimista, mas pode ser até que não haja novo estouro da meta, que parecia inevitável até algum tempo atrás. As projeções para o ano chegaram a passar de 6%. Já para 2024 o mercado prevê o IPCA em 3,89%.
A meta a partir do ano que vem será de 3% com prazo maior para ser alcançada, o que também é um fator favorável à flexibilização da política monetária. Com horizonte mais longo, dá pra conviver com eventuais pressões que tirem a inflação um pouco fora da trajetória esperada, como aumentos vindos do exterior, correções de preços administrados, sem necessidade de aperto imediato dos juros. A mudança da política de metas também colaborou para o corte maior da Selic.
Aliás, há uma preocupação recente com a alta de commodities no exterior, do petróleo, por exemplo, pela redução da oferta em meio às perspectivas de maior demanda. De alimentos pelas ofensivas da Rússia às exportações de grãos da Ucrânia, a partir do fim do acordo intermediado há um ano pela Turquia. Putin quer, inclusive, suprir a oferta para países africanos, com interesses políticos maiores no Continente. Mas essas incertezas, por enquanto, não têm afetado a perspectiva de trajetória da inflação para a meta. Tanto que no comunicado o Comitê ressaltou que, confirmado o “cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões… e avaliam que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária…” até que se consolide a desinflação e a ancoragem.
Dois recados simultâneos: os cortes devem prosseguir na mesma dosagem até final do ano, o que ainda pode ser um fator de contenção de avanço maior da atividade, com a Selic permanecendo acima do patamar neutro. Outro recado é que a dosagem de corte não deve aumentar, esfriando as especulações quanto a cortes de 0,75 ponto, como já começam a cogitar os mais animados diante da evolução de cenário e até por esse primeiro corte acima da aposta dominante.
E tem outros fatores ampliando a confiança. Houve, inclusive, revisão para melhor da avaliação do risco do crédito país por 4 agências de classificação. Na semana passada a DBRS Morningstar, a quarta maior agência de rating do mundo, elevou a nota de BB- para BB, com perspectiva estável. Mesma mudança já havia sido anunciada pela Fitch. Segundo a DBRS a revisão tem relação com a diminuição dos riscos negativos para as perspectivas fiscais, indicando que o déficit primário deve ficar em 1% do PIB, com melhora em relação ao de 2,3% projetado no orçamento de 2023. A agência ainda destacou as metas do arcabouço, de zerar o déficit em 2024, chegando a um superávit de 1% em 2026. Mesmo que não sejam atingidas espera melhora dos resultados durante o governo Lula. Já a Austin Rating, agência brasileira, alterou a perspectiva de rating soberano de estável para positiva em moeda local e manteve BB+ em moeda estrangeira. A Austin cita o arcabouço e a melhora das perspectivas fiscais, mas também levou em conta a melhora dos indicadores antecedentes, dos índices de confiança, da previsão de crescimento e de queda dos juros, vendo o Brasil mais perto de voltar a atingir o grau de investimento. Antes a S&P já tinha mudado a perspectiva de nota do Brasil de estável para positiva.
O Ministério da Fazenda comemorou considerando que esses movimentos demonstram a percepção de melhora nas condições fiscais e econômicas e o reconhecimento que as medidas e reformas em curso estão no caminho certo. O caminho, de fato, vem sendo traçado melhor que se previa, no que se refere à gestão das finanças, avanço da Reforma Tributária, de medidas que tendem a reforçar a receita. Há uma expectativa de crescimento maior do PIB este ano. A inflação cedeu. Mas é um processo que ainda vai exigir muita articulação para seguir adiante, no que depender do Congresso, e de muito controle de pressões por mais gastos ou para reverter mudanças iniciadas em governos anteriores. Diante do risco de eventuais tropeços, fica a dúvida quanto à taxa de chegada do atual ciclo de cortes, até poder atingir nível considerado neutro.
De qualquer modo, a mudança de sinal da política já pode estabelecer espectativas melhores para a economia, com uma trava menos pesada, algum alívio do custo de crédito, que tem gerado problemas tanto para os consumidores, segurando o potencial de consumo, assim como para as empresas, com dificuldades para a rolagem das dívidas, fora a menor demanda. Decisões de investimento podem ser facilitadas pela nova indicação da política de juros. Lembrando que à manutenção da Selic nos últimos meses, com a inflação em queda, se reverteu em maior efeito contracionista, pelo aumento dos juros reais. Cortes pontuais dos custo do crédito já começam a ser anunciados.
A queda anunciada nesta semana também reduz a rentabilidade das aplicações atreladas aos juros. Por enquanto, nada muito significativo. Porém, a tendência de continuidade do movimento exige melhor posicionamento para garantir maior potencial de ganho. Até mesmo taxas prefixadas podem assegurar bons resultados, dependendo do prazo e de uma prospecção cuidadosa da possível evolução do cenário, aqui e no exterior. Há dúvidas até quanto aos Estados Unidos. Por mais que haja preocupações com o impacto sobre a atividade e os sempre citados eventos no setor bancário, o Federal Reserve não descarta possível novo ajuste dos juros neste ano, para fazer a inflação se aproximar mais da meta de 2%. Mexidas nos juros no exterior sempre podem ter alguma influência no ritmo dos negócios por aqui e na atratividade de capital. Só que se o Brasil continuar fazendo a lição de casa, pode superar eventuais influências mais adversas.
Para adequação do portfólio nesse contexto de mudanças é importante buscar informações especializadas, de forma a aproveitar as melhores oportunidades, não fazer apostas contrárias à maré ou que reduzam o potencial de ganho.