Karl Popper, um dos maiores pensadores do século XX, nasceu no Império Austro-Húngaro logo no início do século, em uma família de classe alta de origem judaica. Frequentou a renomada Universidade de Viena e tornou-se doutor em psicologia, fugindo para a Nova Zelândia com o advento do regime nazista, em 1937, e indo para a Inglaterra dez anos depois, onde passou a lecionar na London School of Economics.
Em 1947, juntamente com grandes nomes do liberalismo, como Hayek, Röpke, Friedman e Stigler, fundou a Mont Pelerin Society, um think tank de economia política voltado para temas como liberdade de expressão, economia de livre-mercado e o desenvolvimento do liberalismo político.
O austríaco foi responsável por dar uma enorme contribuição para a filosofia da ciência, introduzindo a noção de falseabilidade para o método de levantamento de hipóteses científicas. No campo da filosofia política, Popper também foi relevante ao estender o debate já milenar sobre democracia e liberdade, provocado por diferentes filósofos, como Platão, Thomas Hobbes, entre outros.
Daí, trouxe importantes contribuições para a área, mapeando problemas éticos, como o paradoxo da liberdade – “argumento de que a liberdade, no sentido da ausência de qualquer controle restritivo, deve levar à maior restrição, pois torna os violentos livres para escravizarem os fracos” – ou, indo mais além, sobre o paradoxo da tolerância que, segundo ele, expunha uma “versão ingênua do liberalismo, da democracia e do princípio de que a maioria deve governar”. O grosso desses reflexos sobre Estado, liberdade e democracia está contido no livro The Open Society And Its Enemies (“A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”), lançado em 1945.
Nesse sentido, o pensador – assim como Hayek, Locke, entre outros – se mostrou crítico à noção ilimitada do laissez-faire, que, além de compreender que o Estado não passa de um conjunto de indivíduos e que todos eles detêm o direito natural da liberdade (conceitos reiterados por esse grupo de acadêmicos), também confiava na autorregulação e na harmonia da sociedade por meio das preferências individuais eventualmente convergentes, inseridas dentro de um regime de livre-mercado e seguindo uma espécie de “ordem física da natureza”.
Para Popper, seria um equívoco pensar em liberalismo apenas sobre essa faceta, uma vez que a corrente e a interferência do Estado não seriam forças opostas, mas, pelo contrário, complementares, já que “qualquer espécie de liberdade será claramente impossível se não for assegurada pelo Estado… […] e inversamente só um Estado controlado por cidadãos livres pode oferecer alguma segurança razoável”.
—
Quer receber diariamente as notícias que impactam seus investimentos? Então, inscreva-se agora gratuitamente em nossa Newsletter ‘E Eu Com Isso’ e fique por dentro do que há de mais importante no mercado!
Clique aqui e saiba mais!
—
Logo, uma vez entendida a intervenção estatal como condição necessária para a manutenção da liberdade, aqueles que compõem o processo político – e que, portanto, estão governando (importante ressaltar a diferença entre governo e Estado) – deveriam ser suficientemente livres para abrir mão da tolerância irrestrita para, justamente, evitar que projetos autoritários dilapidem o equilíbrio entre o Estado e uma sociedade aberta.
Esse é o chamado Paradoxo da Tolerância construído por Popper: tolerar apenas aqueles que estejam dispostos a responder também com tolerância – ainda que, em último caso, fosse necessário o uso da força para reivindicar o direito de suprimir ideias intolerantes.
Segundo palavras do próprio filósofo: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada, mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles.”
Assim, parafraseando Karl Popper, nada mais correto que, em nome da tolerância, reivindicar o direito de não tolerar aqueles que são intolerantes. À intolerância, medidas punitivas; e aos que a incitam e a perseguem, o rigor da lei.
Dito isso – e em que pese, mas do qual me abstenho por falta de ferramentas do conhecimento, o debate jurídico sobre o uso da prisão em flagrante para enquadrar o parlamentar –, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), ao publicar um vídeo de cerca de vinte minutos atentando contra uma série de instituições brasileiras, cometeu crime (no mínimo, de calúnia – artigo 138 do Código Penal brasileiro – e de difamação – artigo 140 do CP) e deve pagar com o seu mandato (quebra de decoro parlamentar), por meio da deliberação de seus pares em plenário da Câmara dos Deputados, como preza o rito definido na Constituição Federal de 1988, após a denúncia apresentada contra ele (etapa já superada nesse momento) e a manifestação do Conselho de Ética da Câmara.
Para a infelicidade do deputado, ele também deve seguir preso pelo menos por alguns dias, já que deputados não estão se mostraram dispostos a contrariar a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (11 a 0) pela manutenção da prisão preventiva e votaram (364 votos a 130) para manter o parlamentar encarcerado. Para seus pares, o peso de estressar a relação entre os Poderes foi maior que o de proteger a própria classe.
Tendo a Câmara já se posicionado, aí sim o deputado poderá ter a pena de reclusão convertida em medidas cautelares, como prisão domiciliar e o uso de tornozeleira eletrônica. Isso depende, entretanto, de decisão do ministro Moraes – um dos onze ofendidos por Daniel em seu vídeo.