Política sem Aspas

A reforma da previdência que passa é a melhor

Daqui exatamente um mês, o Congresso Nacional entra em recesso. Do dia 17 de julho ao 1º de agosto, deputados e senadores não devem trabalhar em Brasília. Na semana passada, recebi uma interessante pergunta do assinante Marco Antonio: se há alguma possibilidade de cancelarem o recesso para votação de matérias pendentes.

Sem recesso?

Isso certamente seria bem recebido pelo mercado financeiro, já que afastaria qualquer chance da reforma da Previdência ficar somente para agosto em diante.

A resposta é: legalmente, existe essa possibilidade. O artigo 57 da Constituição Federal, parágrafo sexto, versa sobre a convocação extraordinária (fora do período legislativo): ela pode ocorrer, entre outras circunstâncias, em caso de urgência ou interesse público relevante e mediante aprovação da maioria absoluta (50% + 1 do total) do Senado e Câmara dos Deputados. A convocação pode ser feita somente Pelo Presidente da República ou algum dos presidentes das casas.

Na prática, no entanto, essa convocação não ocorre desde 2006. Inclusive, à época, a sociedade pressionou para que os deputados parassem de ganhar indenização – de 3 vezes o salário – quando em período de convocação extraordinária.

Respondendo a pergunta: acredito ser muito difícil uma convocação extraordinária. Primeiro, pela necessidade de aprovação nas duas casas. Segundo, por não ser interessante para os parlamentares – que aproveitam o recesso para voltar ao estado natal e reforçar suas bases eleitorais.

A reforma da previdência reformada

Seria uma ótima surpresa para os investidores. Há uma expectativa de superar a tramitação na Câmara, aprovando a PEC da Nova Previdência ainda no primeiro semestre.

Na última quinta-feira (13), o deputado e relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou seu relatório na Comissão Especial. Na quarta (12), muito se especulou sobre qual o valor da economia prevista em 10 anos. Alguns falaram em R$ 800 bi, outros, R$ 850 bi, e chegou-se a falar até R$ 900 bi.

A divulgação dos dados oficiais foi positiva a meu ver. Apesar da economia esperada ficar em torno de R$ 915 bilhões em dez anos com o novo texto (a proposta original previa R$ 1,2 tri), esse valor é suficiente para corrigir a atual trajetória deficitária da Previdência Social. É verdade que privilégios de algumas classes foram mantidos. Da mesma forma, é verdade que para não frustrar tanto a economia em 10 anos, o relator propôs medidas de aumento de arrecadação (de 15% para 20%), como o aumento da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos.

Além disso, Moreira propôs um aumento de arrecadação para alcançar o tão sonhado trilhão. A nova receita viria do fim da transferência de recursos (financiados com o PIS/Pasep) do Fundo de Amparo ao Trabalhador para o BNDES. Seriam, portanto, R$ 217 bilhões de receita extra em 10 anos, totalizando uma economia de R$ 1,13 trilhão.

O bom é inimigo do ótimo

No fim do dia, o mais importante é a economia que será gerada durante a próxima década. Contudo, o texto é um balde de água fria para Paulo Guedes. Assim, ele já admitiu seu descontentamento ao dizer que a Nova Previdência foi “abortada”.

As principais mudanças em relação ao texto original foram feitas para contemplar um acordo entre líderes partidários e facilitar a aprovação na Comissão Especial da Câmara. Alguns pontos eram esperados; alguns outros surpreenderam. O BPC, a aposentadoria rural e o regime de capitalização estão ficaram fora do texto – como já previsto.

Destaque para a criação de uma nova regra de transição, que valerá tanto para o RGPS quanto para o RPPS; nova idade mínima para professoras (a mudança foi de 60 para 57 anos); e novo tempo mínimo de contribuição para as mulheres (o texto original falava em 20 anos; o novo fala em 15).

As discussões acerca do parecer devem ocorrer agora na próxima semana. Não existe ainda uma data definida para a votação. No entanto, estima-se que ela aconteça na última semana de junho. Assim ainda seria possível votar a PEC no plenário em junho, antes do recesso.

Acredito que há um lado positivo na desidratação. Ela sinaliza a chegada do consenso entre deputados. Isso significa que há maiores chances de aprovação da reforma no Plenário, apesar de ainda haver risco de diminuição da economia. Uma economia de R$ 915 bilhões até proporciona relativa margem para negociação na próxima etapa. Para mim, o piso está em R$ 800 bi – abaixo disso, a reforma já perde sua real intenção de corrigir o rombo previdenciário.

A melhor reforma é a que passa

Em resumo: se pudesse escolher entre arriscar uma estratégia mais arrojada ou garantir a aprovação da reforma do jeito que ela está, ficaria facilmente com a segunda opção. Vale lembrar que o projeto de Temer, em 2016, previa inicialmente uma economia de R$ 800 bilhões. Ao cabo, acabou caindo para R$ 500 antes de ser descartado. Infelizmente, não será possível combater os privilégios com tanto afinco. Entretanto, a proposta já traz alguns avanços.

Nesse sentido, entendo a frustração de Guedes, mas não compactuo com ela. A política funciona dessa maneira e é por meio da construção de acordos que se avança. Acho o ministro da Economia muito competente, mas ao criticar o parecer da Comissão ele só dificulta a vida do governo. Se fosse para reclamar com coerência, que recorresse ao presidente Bolsonaro – que deliberadamente não formou uma maioria no Congresso.  

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