Passado o primeiro turno das eleições de 2018, escrevi um artigo sobre o partido que mais havia sangrado com o resultado dos pleitos: o PSDB. À época, os tucanos tinham uma clara rixa entre uma nova corrente, liderada por João Dória, e a corrente dos grandes e tradicionais caciques, como Alckmin, Serra, entre outros. Na verdade, o embate existe até hoje, com menor intensidade.
Nesse contexto de falta de unidade, o PSDB viu sua bancada na Câmara ser reduzida de 49 para 29. No caso do Senado, se comparado às eleições de 2010 (mandato é de oito anos na casa), o partido teve dois senadores a menos após a votação. Ademais, os tucanos elegeram o menor número de governadores eleitos desde 1990 – apenas três, versus cinco governos do Estado em 2014. O PT, a título de comparação, elegeu quatro governadores em 2018 – a despeito do impeachment e da prisão de seu maior líder político.
Na conclusão do artigo, atentei para o fato de que o fenômeno Bolsonaro acabou por engolir o PSDB, furtando o voto de eleitores de centro-direita frustrados com a atuação dos tucanos. Alertava também, para o futuro do partido: espremido entre uma nova direita e o Centrão, o PSDB teria de tomar uma decisão para não se tornar secundário na política.
Hoje, o partido vem ajustando as coordenadas para se fixar no centro ideológico. Afastou-se da social-democracia (permanecendo o conceito no nome da sigla), porque o Partido dos Trabalhadores conseguiu, com êxito, monopolizar esse espaço ideológico. Buscou a guinada à direita nas eleições de 2018, mas não conseguiu casar com o bolsonarismo e suas raízes bem mais à direita que a história do partido.
Quando colocado sob a difícil encruzilhada de posicionamento no espectro ideológico, em meados de outubro de 2018, prevaleceram novos quadros, encabeçados pelo candidato a governador João Doria. Estes gostariam do partido atuando mais à direita na política. Não à toa, o segundo turno no Estado de São Paulo foi marcado pelo voto “Bolsodoria”. A estratégia foi essencial para que o empresário fosse eleito, por margem apertada.
Assim, tudo indicava para uma guinada à direita do partido. O fracasso de Alckmin e a possibilidade de renovar as lideranças seria o golpe definitivo nas origens social-democratas tucanas, abrindo as portas para um pensamento mais à direita e uma postura mais assertiva. Doria emplacou, na convenção nacional do partido ocorrida em maio já deste ano, o ex-deputado federal Bruno Araújo (PE) para a Presidência do partido. Sem concorrentes, o pernambucano foi eleito.
Assim o partido o fez. Mais que isso, buscou voltar à ativa na política por entender que a inércia poderia definhá-lo no inédito quadro de forças. No Congresso, fez questão de se manter independente ao governo, mas convergente na maioria das pautas que o Executivo promove – principalmente, as econômicas. Na reforma da Previdência, o relator da Comissão Especial na Câmara foi tucano – o paulistano Samuel Moreira. No Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE) é o relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Grande expoente do partido atualmente, João Doria governa o Estado mais rico do país já pensando na presidência. Montou a seu lado uma equipe de nível ministerial já de olho em futuras coalizões. Temos Henrique Meirelles (MDB), na Fazenda, Gilberto Kassab (PSD), na Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação, e Alexandre Baldy (PP), na secretaria das Cidades.
Nesse momento, cessou-se a guinada mais radical à direita. Primeiramente, porque grandes nomes da história do partido não aceitaram a atitude de Doria e seus aliados. Em segundo lugar, pela mudança de estratégia do próprio Doria. Percebendo a alta rejeição ao presidente, o governador de SP prontamente fez questão de se distanciar do, até então, aliado. Uma estratégia ousada para fortalecer sua possível candidatura à Presidência em 2022.
Entre idas e vindas, a sigla vai lentamente se transformando. A filiação de Alexandre Frota, ex-PSL, é um indício de novos tempos. Frota é pupilo de Doria nessa história. Evidentemente, o processo é dolorido, havendo ainda uma ala reativa ao protagonismo de Doria e sua nova filosofia. Durante essa semana, o deputado Aécio Neves (MG) teve dois pedidos de expulsão arquivados pela cúpula nacional do PSDB. A decisão contrariou Doria e Bruno Covas, que vinham pressionando o partido para que o ex-presidenciável fosse expulso. Nas entrelinhas, o revés para Doria e Covas mostra que os dois não têm maioria no partido e que velhos quadros ainda são influentes.
O episódio Aécio demonstra que ainda há muitos pontos soltos entre tucanos. Não se sabe ao certo como serão os desdobramentos para 2022, mas é muito provável que Doria queira encabeçar – e tenha um longo trabalho de convencimento dentro do partido – a candidatura presidencial.
Para isso, inclusive, o paulistano vem se aproximando de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que poderia compor a chapa como vice-presidente. Os tucanos e democratas devem se apoiar nas eleições de 2020. Ambos os partidos cogitam, nos bastidores, uma fusão assim que o fim das coligações entrar em vigor. Há quem diga que o PSD entraria nesse grupo, devido à proximidade de Kassab com Doria.
Qualquer que seja o desfecho da história, o PSDB fez a necessária autocrítica acerca da sua atuação na política após a Era FHC. Agora, ainda dividido, pelo menos busca novas formas de protagonismo. O hábil João Doria já vai se posicionando mais ao centro para uma eventual candidatura à Presidência. O governador, caso seja um presidenciável, representará um forte nome dessa parcela do espectro político.
Ainda há muito a se fazer, mas o prognóstico parece correto: após anos de governos de esquerda, Bolsonaro ascendeu e venceu as eleições de 2018 em circunstâncias bastante peculiares. Como a política é pendular, é possível que 2022 já antecipe essa volta do eleitorado para um voto mais moderado; mais ao centro. Daí surge a janela de oportunidade que Doria tanto quer.