Nesta última quarta-feira (14), o ministro da Economia, Paulo Guedes, participou de uma longa entrevista, de cerca de duas horas, para tratar das mudanças na segunda fase da reforma tributária e outros assuntos econômicos. Por obrigação, mas, principalmente, por curiosidade, acompanhei a live de cabo a rabo e fiz uma série de anotações.
Na coluna de hoje, trago uma proposta diferente e que se complementa ao artigo “O fator Guedes”, publicado no início de junho. Com base nas principais ideias expostas pelo economista, vamos explorar as convicções, as forças, as rixas e os receios de Paulo Guedes: amado por muitos, odiado por outros tantos e, inevitavelmente, uma das mais importantes figuras do governo federal.
Desde que entrou no governo, na fase de transição em 2018, o ministro adotou postura proativa quando o assunto tratou de economia. Presente em uma série de eventos, Paulo Guedes buscou passar uma mensagem de otimismo com a promoção da agenda liberal e promessas ambiciosas – algumas que não serão alcançadas –, mas também aprendeu, na marra, a engolir a seco muitos acontecimentos que são estranhos às figuras do setor privado, mas muito comuns no ambiente de Brasília.
O Paulo Guedes que, atualmente, admite erros na entrega do texto original da segunda fase da reforma tributária não é o mesmo ministro que se queixava, recorrentemente, da decisão de deputados e senadores quando alguma matéria enviada pela equipe econômica sofria modificações.
Não que o chefe da pasta não tenha suas decepções pessoais: “tentei, no começo, realizar uma substituição tributária desonerando a folha e implementando o imposto sobre transações digitais. Essa experiência não foi bem sucedida e nós democraticamente acolhemos as críticas – mas ainda acho que seria a melhor saída. No fim, avançamos em outra direção” comentou o ministro na entrevista recente. No entanto, também faz o mea culpa quando comete deslizes, como no caso do primeiro texto da reforma tributária.
Um exemplo foi a intenção de tributar dividendos entre Pessoas Jurídicas, duramente criticada pelo setor privado – e com razão – porque implicaria em bitributação e aumento de carga tributária. Ao ser questionado sobre o tema, o ministro respondeu que escutou “vários relatos” de atores do segundo setor e admitiu que “de fato, a proposta não fazia sentido em termos de sistema tributário”. A partir daí, o caminho foi sentar rapidamente com o relator do projeto na Câmara (deputado Celso Sabino – PSDB-PA) e Receita Federal para corrigir a distorção.
Ainda sobre esse tema, o ministro tentou explicar os princípios por detrás das medidas tomadas – neutralidade tributária, progressividade, capacidade contributiva e justiça tributária, entre outros –, além de realizar um preciso diagnóstico sobre o atual sistema brasileiro. Me surpreendeu, positivamente, essa fala de Guedes: “20 mil brasileiros deixaram de recolher impostos sobre R$ 400 bi em dividendos – esses são os super ricos. Nos últimos 25 anos, pioramos substancialmente a distribuição de renda no Brasil. O Estado brasileiro é uma fábrica de desigualdades.”
De fato, ser liberal como o ministro é menos sobre se exaurir discutindo sobre o tamanho ideal da administração pública e mais sobre como torná-la eficiente, corrigindo distorções causadas por erros nos desenhos de políticas públicas. É o que chamamos de incrementar os outputs com os inputs disponíveis – e não se engane, porque não falta dinheiro nem na educação, nem na saúde ou em outras áreas tão defasadas no País.
Outro ponto bastante positivo foi a noção de que há uma captura do Estado brasileiro por alguns grupos de maior poderio econômico e político. Ter noção de quem são, também, os corruptores é essencial para desenhar os problemas estruturais do Brasil. Disse Guedes: “Quem tem acesso à Brasília vem, faz o lobby (legítimo numa democracia) e captura trechos do orçamento público”, também se referindo ao mal do “carimbamento de gastos”, em que todas as despesas já saem destinadas para propósitos específicos.
A noção de carimbar gastos, sob justificativa de protegê-los, é a mesma que acaba levando à crises inflacionárias no País. Nas experiências recentes, conta o ministro, tentou-se evitar que a inflação corroesse o poder de compra da população por meio de fortes indexações e reajustes vinculados à variação dos preços. No entanto, esse não deveria ser o modus operandi: “A grande verdade é que quando a inflação sobe em desenvolvidos, perde-se salários, perde-se poupança, perde-se resultado, pois a tributação é sobre o lucro inflacionário. Ao cabo, o governo perde a eleição seguinte. Por isso a inflação é baixa – ninguém está protegido e se ela vier o que ocorre é um desastre, com governantes sendo punidos”
Na outra ponta, talvez a maior crítica à entrevista diga respeito à ideia fixa do ministro sobre um grupo que seria supostamente “negacionista” (utilizando-se do termo, emprestado de outras áreas da ciência) e apenas criticaria as ações do ministério da Economia. O ministro obviamente não citou nomes, mas se referiu aos críticos como “eles”, em uma clássica tentativa de criar uma dicotomia entre os “certos” e os “errados”; o “bem” e o “mal”. Abaixo, o trecho mais agudo da resposta do ministro:
“Aí fazemos reformas: Mercosul estava parado há 8 anos; o acordo com a União Europeia há 20 anos; a cessão onerosa há 6 anos; o marco legal do saneamento há 8 anos; a independência do BC há 40 anos; a reforma da Previdência há 20 anos. Fizemos tudo isso. Aí ou falam que não fizemos nada ou que não foi suficiente ou até ruim – esse foi o caso da Eletrobras. Uma coisa é criticar mas reconhecer avanços; outra é negá-los logo de cara. Aliás, é como se as privatizações do passado não tivessem sido feitas no limite da responsabilidade – alguém se lembra disso?”
Quem acompanha mais de perto os bastidores do ministério da Economia e o debate acadêmico em torno da agenda liberal sabe quem são os críticos a quem Guedes se refere. No entanto – e em que pese o fato dos comentários negativos virem do mesmo campo ideológico –, não parece haver críticas fora do tom ou que não tenham um viés construtivo. Aliás, estar politicamente exposto é ter de lidar com opiniões divergentes mesmo entre colegas de mesma capacidade e formação intelectual. Talvez esse seja o calcanhar de Aquiles do ministro, já que ele ainda se mostra incomodado quando surgem questionamentos à sua atuação.
Para finalizar a sessão de Guedes neste divã abstrato, vale notar que o economista é realmente comprometido com seu trabalho. De todas as já críticas feitas ao ministro, nunca coube apontar falta de interesse ou de estudo sobre diferentes temas econômicos. Isso é fruto de um excelente assessoramento – há uma equipe técnica que faz o trabalho do ministro ser possível – e da postura correta (e minimamente esperada) de alguém que ocupa um dos mais importantes cargos do País.
Evidentemente, não há proximidade suficiente do ministro para entender quais as motivações e o real empenho do ministro. Isso vale, a bem da verdade, para a grande maioria que o critica ou que o elogia. Diante da natural falta de transparência e convivência com alguém que tem muito poder e uma rotina bastante cheia, considero exagerado alcunhar – como parte da ala mais ortodoxa do pensamento liberal brasileiro tem feito – a Paulo Guedes o título de pior ministro da economia desde a redemocratização brasileira. O que vale dizer é que o ministro pode ter que carregar o fardo de participar de um dos piores governos desde 1988 – essa, sim, uma possibilidade perfeitamente condizente com as críticas.