Política sem Aspas, por Felipe Berenguer

O poder da narrativa | Política sem Aspas

Nestas últimas semanas, vimos uma virada de mesa na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, com novas denúncias envolvendo possíveis irregularidades e ilegalidades no ministério da Saúde e suas tratativas na compra de vacinas para o Brasil.

Os novos escândalos, que ainda estão em fase de investigação, foram suficientes para reviver uma comissão que vinha lentamente definhando e também inflar a oposição, que voltou a ocupar as ruas – praticamente monopolizadas pela base bolsonarista nestes últimos 12 meses.

Da mesma forma, os ecos, em Brasília, pela destituição do presidente Bolsonaro voltaram a aumentar, ao passo que a popularidade do presidente atinge suas mínimas históricas. O segredo é que não há, contudo, vontade de promover um impeachment dadas as atuais circunstâncias: o Centrão tem gostado do poder que lhe foi conferido em troca de apoio no Congresso e a oposição faz barulho, mas no fundo busca apenas desgastar a imagem do presidente.

Tudo isso corrobora, ao cabo, para transmitir à população que o governo vive fase delicada. Esse é o poder da narrativa no xadrez político – por vezes, apoiar e compartilhar uma ideia é apenas um balão de ensaio para, posteriormente, atingir o objetivo máximo da política: sentar nas cadeiras que comandam o País.

Tomemos como exemplo a própria CPI: os ânimos estão muito mais acalorados, com uma série de novas convocações, quebras de sigilo e apreensão de documentos e dados de investigados. Nesta semana, depois de muitas ameaças, finalmente vimos uma prisão sendo decretada pelo presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

O depoente detido foi o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, que teria pedido propina de um dólar para cada vacina da AstraZeneca, negociada por empresas intermediárias e em lote de 400 milhões de doses. O ex-diretor foi exonerado recentemente, em resposta do governo federal às suspeitas de corrupção e seu envolvimento no esquema.

Omar Aziz perdeu a paciência após um áudio chegar ao conhecimento da CPI, no fim da sessão. Neste registro, o policial militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominghetti, admite que o ex-diretor do ministério da Saúde agendou uma reunião para tratar da compra de vacinas. Durante todo o depoimento, Dias havia alegado que tinha participado da suposta reunião, mas que não teria a agendado e ela teria sido “por acaso”.

Com a prisão e depoimentos nos holofotes da mídia, é natural que o público tome conhecimento das investigações e a tendência é de piora na imagem do governo – ainda que seja possível que o presidente ou o alto escalão não tivesse conhecimento das supostas ilegalidades ocorridas no ministério da Saúde.

É possível, inclusive, notar os efeitos negativos da CPI da Covid na avaliação do atual governo pela população brasileira. Em todas as pesquisas divulgadas recentemente (CNT/MDA, XP/Ipespe e Datafolha), a avaliação negativa (ruim + péssimo) do Executivo cresceu e encostou nos 50% – pior marca do atual mandato. Na pesquisa CNT/MDA, de frequência menor, a avaliação negativa saltou de 36%, em fevereiro deste ano, para 48%, enquanto a avaliação positiva (ótimo + bom) caiu de 33% para 28% no mesmo período, e a avaliação regular foi de 30% para 23%.

No caso da XP/Ipespe, que tem frequência semanal, a oscilação com relação à última pesquisa ficou dentro da margem de erro (negativa: 50% para 52%; positiva: 26% para 25%; regular: 22% para 21%), mas o patamar é o maior desde o início do mandato, superando até o pior momento da Covid-19, em maio de 2020, quando a avaliação negativa do atual governo chegou a 49%.

Por fim, a pesquisa Datafolha também observou avanço da avaliação negativa do Executivo, com as respostas “ruim/péssimo” saltando de 45%, em maio deste ano, para 51% na última pesquisa. A avaliação regular caiu de 30% para 24% e a avaliação positiva manteve-se estável, em 24%.

Importante observar, ainda, que em cada uma das pesquisas há indícios que corroboram com a tese de que a CPI tem manchado a popularidade do governo. Na XP/Ipespe, 59% dos entrevistados acreditam que a atuação do presidente no combate ao coronavírus está sendo ruim ou péssima – a título de comparação, este percentual é de 36% na resposta com relação aos governadores e apenas 19% no âmbito das prefeituras.

Na CNT/MDA, nota-se uma situação parecida, não obstante a pergunta diferente. A pesquisa aponta que 57,2% dos entrevistados desaprovam a atuação do governo federal no combate à Covid-19, enquanto 39% aprovam. Em outubro de 2020, quando esta mesma pergunta foi feita aos entrevistados, a aprovação era de 57,1% e a desaprovação de 39%.

Por fim, a pergunta de destaque do Datafolha não tem a ver com a gestão da pandemia em si, mas sim com a corrupção – tema que passou a ser central na CPI. Na opinião de 70% dos entrevistados, existe corrupção no atual governo, enquanto 23% acreditam que ela não existe e 7% não souberam responder.

Goste ou não, o atual presidente é inevitavelmente relacionado aos escândalos de possíveis ganhos ilícitos na compra de vacinas, uma vez que eles podem ter ocorrido sob sua gestão. Historicamente, quando o assunto é considerado grave – como é a corrupção, para o brasileiro – não se costuma fazer grandes distinções entre quem se envolveu e quem não sabia dos esquemas ilegais de enriquecimento.

Cientes dessa dinâmica, membros da CPI se organizaram em torno de duas narrativas políticas distintas: de um lado, governistas tentam amenizar ou obstruir eventuais caminhos que levem a algum tipo de responsabilização de membros ou ex-membros do governo – já que o Planalto sabe (e os números têm mostrado) que, mesmo sem o envolvimento de grandes cabeças, um escândalo comprovado de corrupção agora pegaria muito mal para a imagem do presidente.

Por outro, o G6 – que era G7, mas diminuiu de tamanho após o rompimento do senador Eduardo Braga (MDB-AM) com o grupo – continua convocando nomes supostamente envolvidos ou próximos dos órgãos públicos em que se suspeita haver irregularidades. Essa é, inclusive, a única (e última) aposta para tentar minar a popularidade de Bolsonaro, de olho nas eleições de 2022. Outras linhas de investigação, como o suposto gabinete paralelo, a hidroxicloroquina como tratamento precoce, etc. ficaram pelo caminho e se mostraram frágeis para acusar o governo de qualquer irresponsabilidade.

Se o impeachment não parece uma realidade próxima por conta da falta de interesse da classe política em geral, há muita movimentação para saber como o presidente vai reagir a esse mau momento de seu mandato.

Com a economia voltando a crescer de modo mais robusto e expectativas de imunização geral até o fim deste ano, alguns interlocutores de Bolsonaro têm tranquilidade ao dizer que ele irá se recuperar – aliás, ainda que seja o pior momento na avaliação de governo, ainda há um eleitorado relevante (cerca de 25%) muito resiliente e fiel ao presidente, o que comprova que não será tão fácil, como alguns apontam, abrir caminho para tirar Bolsonaro do páreo no ano que vem.

Leia a minha última coluna para ficar por dentro do que movimenta Brasília: Por que o mercado não gostou da reforma tributária?

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