Política sem Aspas

Para onde vai Bolsonaro?

Ainda não é oficial, mas dado como muito provável nos bastidores: o Presidente da República, Jair Bolsonaro, não permanecerá no Partido Social Liberal. Essa é a primeira vez na história da República pós-redemocratização em que um presidente deve romper com seu partido eleitoral. Pelo ocasião inédita, ficam algumas perguntas: por qual caminho seguirá o presidente? Os bolsonaristas do Congresso podem mudar de partido? São dúvidas que impactam diretamente no arranjo de forças políticas de Brasília.

A crise entre Bolsonaro e a sigla ganhou contornos dramáticos nos últimos dias, quando um apoiador ouviu do presidente que ele deveria “esquecer o PSL”, já que o presidente do partido, Luciano Bivar (PE), estaria queimado. A partir daí, reações do próprio Bivar e seus aliados tornaram o casamento entre as partes praticamente insustentável. A alta cúpula do PSL, durante a última quarta-feira (9), chegou a comentar que Bolsonaro já estaria de saída, não tendo mais nenhuma relação com a legenda. 

De fato, tudo indicava para uma decisão drástica do presidente da República nestes últimos dias. Na própria quarta, ele se reuniu com cerca de vinte deputados, que demonstraram apoio à sua vontade de migrar para outra sigla, e respectivos advogados. No fim do dia, porém, recuou quanto à saída – mas deixando, nas entrelinhas, que vai sair. Disse que – por enquanto – continuaria no PSL e comparou a briga a uma briga de casal. 

Antes de responder às perguntas, é importante entender como se deu a dinâmica PSL-Bolsonaro. A legenda nunca teve nenhuma relevância política e acabou servindo de “casa” para que o presidente, então candidato, concorresse nas eleições de 2018. Com a candidatura consolidada e forte, o bolsonarismo se aglutinou no PSL que, historicamente, pouco teve de conservador – aliás, pouco teve identidade ideológica e/ou programática. Nesse contexto, o casamento foi muito mais de ocasião do que propriamente um alinhamento de ideias. Com o evidente sucesso de Bolsonaro, o partido conseguiu formar a segunda maior bancada partidária de deputados e ganhou certa relevância no Senado. 

Era uma questão de tempo para que conflitos eclodissem dentro da sigla. Como o partido nunca teve grande expressão e a ligação comum entre as alas foi – eleitoralmente – Bolsonaro, não surpreendem as diversas rixas criadas em apenas dez meses de governo. O que surpreendeu, na verdade, foi a implosão do elo comum que unia o partido: Jair Bolsonaro não aceita mais o PSL do jeito que ele está e não gostaria de pagar para ver o que será do partido. 

Com a iminente saída do seu grande líder, naturalmente o partido deve perder força e tornar-se bem menos relevante para a política nacional. O PRN (hoje PTC) sofreu com esse processo, após o impeachment de Collor e uma grande debandada de deputados e senadores da sigla. Os sinais são parecidos.

Nem tudo é semelhante, entretanto. Há uma questão envolvendo parlamentares que desejam deserdar o PSL e seguir, juntamente com Bolsonaro, para outro partido. Na época de Collor, a troca de partido era livre –  e fidelidade partidária era rara. Desde 2015, no entanto, as regras mudaram: a lei 13.165 é expressa ao apontar que qualquer parlamentar perderá o cargo eletivo se resolver deixar o partido sob cuja legenda foi eleito sem justa causa. Considera-se justa causa um universo limitado de hipóteses, como observa-se no trecho a seguir, da lei dos partidos políticos (9096/95):

Desse modo, o presidente pode até sair do partido, mas terá dificuldades para trazer consigo a ala bolsonarista, correndo o risco de ficar politicamente isolado, em um partido com pouca, ou quase nula, representatividade no Congresso Nacional. Ainda mais porque os financiamentos públicos de campanha e de funcionamento dos partidos (conhecidos popularmente como fundo eleitoral e fundo partidário) levam em conta a distribuição partidária de cadeiras no Congresso para a partilha de recursos. 

O que nos leva ao segundo questionamento: para onde Bolsonaro irá? Aqui, alguns aspectos devem influenciar na sua decisão, como: a estrutura do partido a recebê-lo; a sua representação no Congresso e capilaridade pelo Brasil; o alinhamento ideológico; e, principalmente, sua influência na direção da legenda. Para sair de um partido de alta importância no cenário político atual, o presidente terá que garantir a maioria dos pontos acima, se não todos.

Em levantamento divulgado pela equipe da XP Política, em parceria com o Ipespe, foi medido o nível de governismo por partido na Câmara. Em outras palavras, um percentual médio das vezes em que os partidos votaram em consonância com a orientação de governo sobre projetos de lei. Confira o gráfico abaixo, essencial para entender quais partidos podem abrir portas para Bolsonaro:

Por óbvio, o partido mais alinhado com o governo é o partido do presidente. Em seguida, vem o Novo, DEM, PSDB e Patriota, todos acima da casa dos 90%. Deste grupo, não acredito que o PSDB e o DEM – partidos tradicionais – comportem Bolsonaro, por divergências ideológicas e também de olho em 2022. 

O Novo, por sua vez, não tem tanta representatividade e poderia se alavancar. Contudo, não há convergência ideológica – de novo, Bolsonaro não tem nada. O Patriota surge como possibilidade, inclusive já tendo sinalizado interesse aos bolsonaristas, mas segue tendo pouquíssima relevância no Congresso (são cinco deputados federais e um senador). 

Beirando os 90%, partidos como MDB, PSD, PL, PSC e PP poderiam também se alinhar aos interesses legislativos de Bolsonaro. Esse grupo, porém, prefere se manter independente – compondo o Centrão. Abaixo destas porcentagens, não acredito haver espaço para um casamento entre Bolsonaro e qualquer outro partido. 

Levando em consideração as reflexões acima, faz sentido que o presidente tenha recuado ontem. Deixar o PSL não será nada trivial, mas Bolsonaro e seus aliados estão dispostos a fazê–lo. Essa decisão, portanto, deverá ser estudada com cautela e gerenciamento de riscos. O grupo só precisa  de um terreno minimamente nivelado para fincar suas bases.

O conteúdo foi útil para você? Compartilhe!

Recomendado para você

O investidor na sala de espera

Salas de espera podem ser muito relaxantes ou extremamente desconfortáveis. Pessoas ansiosas consideram aquele período de inatividade quase uma tortura. Quem precisa de um tempinho

Read More »

Ajudamos você a investir melhor, de forma simples​

Inscreva-se para receber as principais notícias do mercado financeiro pela manhã.