A concepção de dilema, no universo da filosofia, envolve um raciocínio que traz duas premissas contraditórias e mutualmente excludentes que, inevitavelmente, evidencia a necessidade de uma escolha entre as duas alternativas. Na verdade, os dilemas não são matéria somente da filosofia. Quem nunca ouviu falar do dilema do prisioneiro, tão famoso na teoria dos jogos, ou do dilema do bonde – clássico experimento do pensamento de ética.
Pois bem: o nosso presidente, Jair Bolsonaro, já tem dois dilemas de natureza de governo. Envolvem ética, poder e governabilidade. Não são problemas simples.
O primeiro dilema se refere à articulação política. Diante de um retorno bastante positivo da população com relação à montagem dos ministérios – de caráter técnico e prezando pelo fim do (vulgarizado) toma lá dá cá – agora não convém voltar às formas tradicionais de negociação.
Ao cabo, um dos trunfos de campanha virou um dos pepinos da gestão. Já está claro que a reforma previdenciária, ou qualquer outra medida, não passará sem articulação política. Nas eleições, até é possível vencer no grito. No governo, o jogo é jogado. O que vale mais: base aliada ou base popular?
O dilema acima nos leva ao segundo: é notório que a reforma da Previdência é impopular. Ela é, porém, indispensável ao país. O governo certamente deve estar preocupado em não perder popularidade na empreitada de aprovação da PEC. Poderia usar outras medidas, ligadas aos costumes, para manter o respaldo da população. Ao mesmo tempo, não quer atrapalhar a tramitação da medida econômica. O que vale mais: medidas impopulares ou populistas?
A pressão popular
Se você estava com saudades das pesquisas eleitorais, não se desespere. Não temos eleições no Brasil neste ano, mas os institutos de pesquisa continuam funcionando para acompanhar a avaliação do atual governo.
Na última terça-feira (26), o instituto MDA Pesquisa divulgou – por encomenda da Confederação Nacional do Transporte (CNT) – a primeira avaliação do novo governo de Jair Bolsonaro. A cobertura das entrevistas envolveu municípios de todas as unidades da Federação. Foram 2.002 entrevistas, com margem de erro de 2,2 pontos percentuais e 95% de nível de confiança. O período de coleta foi de 21 a 23 de fevereiro de 2019.
Primeiras impressões
Como mencionei, é a primeira pesquisa que avalia o governo após a eleição de Bolsonaro, no ano passado. Os entrevistados responderam diversas perguntas sobre temas variados. Aqui, vou trazer os mais importantes para entender a política e sua relação com o mundo dos investimentos.
O primeiro diz respeito à avaliação do governo. O gráfico abaixo mostra os resultados, entre positivo, regular e negativo. Entende-se positivo como a soma das avaliações de “Ótimo” e “Bom” e negativo a soma das avaliações de “Ruim” ou “Péssimo”.
Como é possível observar, o governo tem uma avaliação positiva neste início. É natural o resultado, já que a maioria da população elegeu o presidente há pouco tempo. O que desperta curiosidade é o fato de que Bolsonaro, na avaliação, larga atrás de todos os outros presidentes em seu primeiro mandato desde as eleições de 2003.
Em janeiro de 2003, a CNT/MDA apontou para uma avaliação positiva (ótimo + bom) de 56,6% do governo Lula. Em agosto de 2011, o mesmo instituto diagnosticou uma avaliação positiva de 49,1% de Dilma Rousseff. No governo FHC, a CNT e o MDA não efetuavam os levantamentos, mas outra pesquisa – do instituto Sensus – deu à época (fevereiro de 1995) aprovação de 57% para o início do primeiro mandato de Fernando Henrique.
Estará o brasileiro mais exigente com a política? Ansioso por resultados e retornos para seu bem-estar? Ainda é cedo para dizer, assim como é cedo para avaliar o desempenho do governo.
Por outro lado, os 39% de Bolsonaro é a maior avaliação positiva de um presidente desde setembro de 2014 – quando Dilma atingiu 41%. Após essa data, Dilma e Temer nunca mais tiveram carinho da população. Veja no gráfico abaixo:
Esmiuçando os dados
O que eu gosto mais nestes extensos levantamentos não são as perguntas mais genéricas, como a avaliação do presidente. Por vezes, é difícil metrificar parâmetros subjetivos como bom, ruim ou regular. A verdadeira percepção da população sobre o governo está em questões mais específicas.
Por exemplo: foi perguntado se os entrevistados aprovaram ou não a reestruturação dos ministérios e órgãos federais. Das respostas, 62,2% aprovaram, 21,3% desaprovaram e 16,5% não souberam responder. Nessa linha, outra pergunta indagava sobre os ministros de Bolsonaro: a avaliação foi positiva para 45,2%, regular para 30,6% e negativa para 13,9% dos entrevistados.
Com relação aos principais projetos do governo, houve três perguntas importantes: sobre a aprovação do decreto de flexibilização do porte de armas, do pacote anticrime de Moro e da reforma da Previdência. Seguem os resultados:
Chama atenção, ainda, os resultados de duas perguntas parecidas, referentes aos filhos do presidente Jair Bolsonaro. Na primeira, o objetivo era entender se os entrevistados consideram que os filhos estão interferindo nas decisões do pai. Do total, 56,8% acreditam que sim, 29,3% que não e 13,9% não sabem ou não responderam.
Em seguida, a pesquisa questionou se os familiares, independentemente de serem ou não políticos, devem influenciar um presidente nas suas decisões de governo. A resposta: 17,3% acreditam que sim, 75,1% que não e somente 7,6% não souberam responder.
Nas entrelinhas
As respostas fornecem explicações para algumas das encruzilhadas do governo neste momento. Afinal, um bom governo necessariamente é um governo respeitado e bem avaliado – exceto quando os presidentes não são diretamente eleitos.
São dilemas genuínos que recaem sobre Bolsonaro e sua equipe. Enquanto isso, a lua de mel vai rolando e o tempo não corre a favor. Governar é a arte de fazer escolhas e o presidente vai encarar decisões difíceis nos próximos meses.
Um abraço,
Felipe Berenguer
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