Estamos de volta com a análise da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que completou, nesta semana, um mês de duração e os senadores aproveitaram para realizar um pequeno hiato nas oitivas. Caso você não tenha lido a primeira e a segunda edição desta série de textos, eis aqui o link da parte I e da parte II.
Nos últimos dias, foram ouvidos apenas duas pessoas: na terça-feira (25), compareceu à comissão a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro – também conhecida como “Capitã Cloroquina”; e na quinta (27), foi a vez do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. Já vale adiantar que ambos os depoimentos não tiveram tanta repercussão.
Na quarta-feira (26), porém, os senadores se reuniram para debater novas convocações e definir, de modo mais específico, um cronograma temático para pautar as investigações durante as próximas semanas. Sendo o ponto alto da semana, com discussão acalorada entre os membros da CPI, a reunião resultou na convocação de 9 governadores e um ex-governador para prestarem depoimentos. Nesse sentido, o governo federal respira aliviado por deixar de ser o foco, ainda que temporariamente, dos trabalhos da comissão.
A decisão sobre governadores acabou rachando o G7, grupo formado por parlamentares independentes e oposicionistas que forma maioria na comissão. A iniciativa partiu do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD), e pelo líder do MDB, Eduardo Braga, ambos do estado do Amazonas e com interesse nas eleições de 2022 para o governo. A crise de Manaus (AM), no início do ano, tem peso especial para os representantes do estado na comissão.
Evidentemente, com a proposição para convocar um governador, outros nomes foram levantados e aprovados. No pacote de depoimentos, foram chamados os seguintes governadores: Waldez Góes (PDT-AP), Ibaneis Rocha (MDB-DF), Helder Barbalho (MDB-PA), Coronel Marcos Rocha (PSL-RO), Antonio Denarium (PSL-RR), Carlos Moisés (PSL-SC), Mauro Carlesse (PSL-TO) e Wellington Dias (PT-PI), além do ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.
Alguns nomes são considerados mais próximos ao presidente da República, enquanto outros serão expostos por motivações políticas – é o caso de Wellington Dias, por exemplo, governador do Piauí que acabou sendo convocado em troca da dispensa do governador da Bahia, o petista Rui Costa.
Evidentemente, os quatro governistas da comissão votaram a favor destas convocações, já que é de interesse do Planalto que a discussão se estenda para entes subnacionais. Diante da derrota na CPI, parte do G7 que era contrária aos depoimentos de governadores deve tentar adiar ao máximo tais oitivas e focar em outros nomes que foram aprovados pela comissão.
Foram reconvocados o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o atual ministro, Marcelo Queiroga, além de figuras do Planalto com trânsito próximo ao presidente Bolsonaro, como o advogado e ex-assessor da presidência, Arthur Weintraub, o atual assessor para assuntos internacionais da presidência, Filipe Martins, o marqueteiro do presidente, Marquinhos Show e o empresário Carlos Wizard.
O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também protocolou requerimento para que Bolsonaro preste depoimento à CPI, mas ele ainda não foi votado e, nos bastidores, entende-se que as chances de ser aprovado são baixas. Há um entendimento de que a convocação do presidente poderia ferir a divisão constitucional dos Três Poderes e, portanto, ela deve ser rejeitada.
Com a nova rodada de depoimentos, a CPI perde força contra o governo federal ao se dissipar entre diferentes regiões e governos estaduais, além dos dois dias destinados exclusivamente para debater a hidroxicloroquina como tratamento precoce, em que serão entrevistados médicos a favor e contra a medicação.
Ao mesmo tempo, o andamento de outras pautas na Câmara dos Deputados e um natural arrefecimento da cobertura de imprensa à CPI fez com que a semana ficasse fora do radar da maioria da população – e, mais ainda, do mercado como um todo, que não deve reagir aos acontecimentos da comissão a não ser que seja instaurada uma crise política.
Isto já tem sido notado por conta do recuo do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), nas oitivas mais recentes, após diagnóstico de que sua postura mais agressiva nos trabalhos não havia gerado desgaste para o Planalto – pelo contrário, a iminente prisão do ex-secretário de comunicação da presidência, Fabio Wajngarten, não foi bem recebida pelo público.
Lembrando que a CPI tem duração de 90 dias, podendo ser prorrogada uma única vez pelo mesmo prazo, e apenas o primeiro mês chegou ao final, então são esperadas novas reviravoltas nas discussões. Como comentado nas últimas colunas, porém, será necessário reunir mais evidências contra a atual equipe ministerial e do Planalto para que alguma linha de investigação – sendo, hoje, os três principais temas a cloroquina, o suposto ministério da Saúde paralelo e o atraso na compra de vacinas – se transforme em alguma recomendação de investigação pelo Ministério Público quando da publicação do relatório final da CPI.
Tenho falado, desde o início dos trabalhos, que dificilmente o governo federal sairia desgastado da comissão sem algum tipo de calcanhar de Aquiles descoberto pelos senadores independentes e de oposição. Até agora, esse grupo tem perdido a disputa política – menos pela atuação dos senadores governistas e mais pelos depoimentos arredios dos principais atores envolvidos na condução da pandemia do coronavírus no Brasil.