O fim de ano pós-eleições é marcado pelo governo de transição, em que se prepara toda a estrutura da nova gestão Bolsonaro, marcada para começar no primeiro dia de 2019. A cogestão entre os dois executivos é, na realidade, obrigatoriedade instituída por matéria de lei em 2002. Se você achou que a colaboração era mera gentileza, se enganou.
A Medida Provisória No 10.609/02
Antes da Medida Provisória No 10.609/02, eram comuns conflitos entre diferentes equipes advindos de omissão de informações, falta de transparência e pouca colaboração para a passagem do bastão presidencial. Por isso, a lei foi instituída no fim do governo FHC para mitigar tais situações que só aborreciam novos governos e atrasavam as boas práticas no setor público.
Segundo a MP, os membros da equipe de transição tem como objetivo “inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo Presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse”. Em outras palavras, garantir que os ritos de passagem da faixa de Presidente sejam cumpridos e também para se familiarizar com toda a máquina estatal situada em Brasília. Quem já foi para a capital federal sabe que não é pouca coisa para se aprender – a cidade basicamente respira gestão pública.
Os homens do Presidente
Os membros da nova equipe também têm garantido o acesso irrestrito às contas públicas, aos programas e aos projetos do Governo Federal. Isso já permite uma análise prévia do cenário que o novo governo irá encarar. O grupo de transição é nomeado a partir do segundo dia útil após o resultado das eleições e deve se dissolver em até dez dias contados da posse do candidato. Logicamente, em caso de reeleição dispensa-se todo esse processo.
Cabe à atual Casa Civil disponibilizar local, infraestrutura e todo o apoio administrativo necessário para a equipe de transição trabalhar. Desde a posse do primeiro governo Lula, usa-se o Centro Cultural Banco do Brasil como sede da mudança, a 4 km do Palácio do Planalto e a 8 km da Esplanada dos Ministérios.
Por lei, podem ser criados até cinquenta cargos comissionados para compor a burocracia do time de transição. Não é permitido acumular cargos em comissão, significando que aqueles selecionados devem se dedicar exclusivamente à sua função na passagem, abrindo mão eventualmente de outras posições. Os cargos são chefiados por um Ministro de Estado Extraordinário, nomeado pelo presidente eleito.
No caso do governo Bolsonaro, já foi nomeado o ministro responsável: Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil do governo. Além dele, mais 22 nomes já foram chamados. O núcleo duro de Bolsonaro já declarou que dificilmente irá utilizar dos 50 cargos comissionados que, somados, custariam aproximadamente um milhão de reais ao Estado.
O governo Temer e sua equipe deve, de acordo com cada ministério, providenciar um relatório detalhando também o que está previsto, em termos financeiros e de planejamento, para 2019. Afinal, o orçamento do ano que vem será aprovado ainda esse ano – respeitando a Lei Orçamentária Anual (LOA) que ainda tramita no Congresso Nacional – e irá restringir a atuação do novo governo ao último ano do Plano Plurianual (PPA) 2016-2019, documento constitucional que estabelece as diretrizes, objetivos e metas da gestão pública no médio prazo, expressando sua visão estratégica.
É importante ressaltar que a medida provisória sobre a equipe de transição obriga os titulares dos cargos a manterem sigilo absoluto dos (importantes) dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização.
As expectativas para a transição do emedebista para Bolsonaro são positivas. O presidente eleito não poupou críticas à Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique Cardoso durante sua campanha, mas estrategicamente evitou fazer comentários pejorativos sobre os dois anos de Temer à frente do Planalto. Ao contrário, agora vem reforçando a via do diálogo como a melhor solução para efetuar uma transição completa e, quem sabe, angariar apoio do MDB e seus líderes. O atual presidente também acenou neste sentido e garantiu “transparência total” no processo.
Dessa forma, a passagem – salvo a ocorrência de qualquer evento incomum – será mais uma vez feita de boa vontade. Desde a criação da lei, em 2002, não constam grandes turbulências nas transições. No evento de Lula para Dilma, por conta do mesmo partido e no caso de FHC para Lula, o republicanismo da gestão tucana evitou maiores conflitos e consolidou um exemplo de transição.
A equipe de transição conta com os futuros ministros já anunciados para Jair Bolsonaro, indicando o comprometimento e interesse de aprofundamento do novo governo nesse grande desafio que se desenha na prática a partir do ano que vem. A mudança representa não só uma nova cara para a gestão pública, mas também significa a troca simbólica dos homens do Presidente – campanha para aqueles que realmente tocarão as políticas públicas em seu governo.