Brasília

Em Brasília, até mesmo as certezas são incertas

Da Constituição de 1988, nasce como princípio fundamental do Estado brasileiro a tripartição dos poderes que se concentram em Brasília. Nas primeiras páginas, mais especificamente no artigo 2º, está o princípio discutido por Platão, Aristóteles e Locke, mas que foi consagrado por Montesquieu em “O Espírito das Leis” (1748). A transcrição literal da carta brasileira aponta: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Com gênese no movimento Iluminista do século XVIII, a separação de poderes é amplamente utilizada nas democracias modernas ocidentais. Garante o bom funcionamento do Estado e das suas instituições por meio de fiscalização de um Poder sobre o outro. Evita-se, assim, o monopólio de poder nas mãos somente do Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Na prática, observamos a harmonia entre os poderes quase a todo momento. O braço jurídico do país limita aspirações do governo e do poder Legislativo, quando entende que suas proposições não se encaixam no arcabouço firmado pela Constituição de 1988. O poder Legislativo tem enorme importância fiscalizadora das contas governamentais, enquanto que o Executivo estabelece qual caminho as políticas públicas devem trilhar no decorrer dos mandatos.

Por conta desse sistema, o pós-eleições presidenciais se volta muito para as eleições legislativas que ocorrem no dia 1º de fevereiro para definir os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Afinal, a grande maioria de projetos e políticas públicas devem ser votadas e aprovadas pelas duas casas e a governabilidade do governo passa pelos presidentes – eles têm o poder de escolher e priorizar pautas.  

Seguindo a lógica, os mercados também estão de olho nestas eleições, ansiosos para ver a pauta de reformas sendo levada adiante e aprovada com facilidade. Além dos candidatos às cadeiras, na semana passada tivemos uma importante variável definida para o pleito que se aproxima.

O presidente do STF, Dias Toffoli, manteve a votação secreta para a eleição do Senado e também da Câmara. Os processos eram diferentes. No caso do Senado havia uma indecisão porque o ministro Marco Aurélio Mello ordenou, em dezembro do ano passado e atendendo a solicitação do senador Lasier Martins (PSD-RS), que a votação fosse aberta e o atual presidente da corte derrubou a liminar, atendendo pedido do próprio Senado. Na Câmara dos Deputados, Toffoli negou já de antemão o primeiro pedido para votos abertos na eleição feito pelo deputado federal eleito por São Paulo, Kim Kataguiri (DEM-SP).

A justificativa do ministro foi a mesma para ambas as situações: a votação para comando das casas é questão do regulamento interno e, portanto, cabe aos próprios deputados e senadores modificarem (ou não) o sistema. Ressaltou também que o entendimento dele valerá até o julgamento do caso pelo plenário do STF, que voltará às atividades depois das eleições.

De fato, os dois regimentos internos preveem votação em escrutínio secreto para a eleição dos membros da Mesa Diretora – que inclui os presidentes – e a Constituição não estabelece nenhuma regra sobre tal votação. Isso significa que, em respeito à separação dos poderes, a votação deve ser secreta até segunda ordem, seja por mudança no regimento ou interpretação em plenário no Supremo.

Podemos até discordar dos motivos pelos quais a votação é secreta. Contudo, a necessidade de oxigenar o bom funcionamento das instituições passa diretamente pelo respeito à autonomia dos poderes e compreensão dos limites de interferência, por exemplo, do Jurídico no Legislativo. Faz mais sentido aos cidadãos cobrarem uma mudança dos legisladores.

Quais as consequências para a votação? Primeiro, é entender que a questão envolve (como sempre) um forte jogo de interesses entre aqueles contrários e favoráveis à votação secreta. Uma votação aberta favoreceria candidaturas de novos políticos e minaria candidaturas tradicionais – e vice-versa. Obviamente, alguns deputados e senadores aproveitam o voto secreto para votar nos candidatos mais improváveis, sendo imunes às críticas de seu eleitorado.

Pessoalmente, entendo que votações abertas contribuiriam para um ambiente político mais transparente. Como já apontei, porém, o respeito às regras do jogo deve pesar mais nesse contexto.

Assim sendo, os favoritos às vezes não são tão favoritos e as certezas podem ser mais fluidas. Não parece ser exatamente o cenário da votação neste ano, que parece bastante previsível. Mas isso é assunto para o final de semana que vem.

Um abraço,

Felipe Berenguer

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