Quedas provocadas pelo temor do coronavírus criam pechinchas
Gilberto Mifano foi, durante muitos anos, o superintendente-geral da antiga Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa. Executivo com profundo conhecimento do mercado e com grande visão – foi sob sua gestão que a bolsa lançou o Novo Mercado – Mifano costumava definir o comportamento do mercado em momentos de crise. “Nós somos o único shopping center do País em que as liquidações assustam a freguesia”, dizia ele. Nas horas em que os preços estavam exageradamente baixos devido a crises internas ou internacionais, os investidores falhavam em aproveitar as pechinchas.
Essa mentalidade está mudando, mas não muito. Prova disso foi o comportamento do mercado na tarde da quinta-feira (27). Após a queda de 7,0 por cento na véspera, o Ibovespa chegou a ficar em território positivo durante alguns minutos, graças às compras de ações de bancos, que representam quase 20 por da carteira teórica. No entanto, no fim do dia, os preços cederam novamente.
Um comportamento parecido deve ocorrer nesta sexta-feira, último pregão de fevereiro. Não ajuda o fato de o Ministério da Economia ter comentado que deve revisar a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 2020 por causa do efeito do alastramento da epidemia do coronavírus pelo mundo e no Brasil. A posição sobre a estimativa do PIB deve ocorrer até o fim da próxima semana.
Sem a promessa de adoção de medidas de estímulo pela equipe econômica, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia (SPE), Adolfo Sachsida, disse que o melhor “remédio” para enfrentar os efeitos negativos da epidemia no crescimento econômico é avançar nas reformas no Congresso.
Cauteloso, o secretário evitou falar em números, mas reconheceu que o cenário piorou bastante nas duas últimas semanas, diante da expansão do vírus no mundo. “Teremos uma posição mais sólida no fim da próxima semana. Por ora, mantemos a previsão de alta de 2,4 por cento”, disse Sachsida.
Por enquanto, os sinais são de baixa. Os contratos futuros de índice Bovespa estão em queda de 1,37 por cento, e o mercado futuro do índice Standard & Poor’s de 500 ações (S&P 500) está recuando 0,3 por cento. Lá fora, os índices asiáticos fecharam com baixas de 3 por cento, mesmo patamar de queda dos índices europeus.
O cenário para os resultados das empresas não mudou essencialmente no longo prazo, com exceção de alguns setores específicos, como os de companhias aéreas. A baixa de preços deve abrir oportunidades interessantes de compra. No entanto, o mais provável é que o movimento desta sexta-feira seja mais influenciado pela dinâmica do curto prazo.
INDICADORES – A taxa de desemprego caiu para 11,2 por cento no trimestre encerrado em janeiro, uma queda de 0,4 ponto percentual em relação aos 11,6 por cento do trimestre anterior (de agosto a outubro de 2019), informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve queda de 0,8 ponto percentual em relação aos 12,0 por cento registrados no trimestre encerrado em janeiro de 2018. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (Pnad), há 11,9 milhões de pessoas desocupadas no Brasil. O contingente de pessoas ocupadas está em 94,2 milhões de brasileiros. Essa cifra não se alterou em relação ao trimestre imediatamente anterior, mas cresceu 2,01 por cento em relação aos 92,3 milhões de pessoas ocupadas no primeiro trimestre de 2018.
A taxa de informalidade recuou 40,7 por cento, ante os 41,2 por cento registrados no trimestre de agosto a outubro de 2019. O contingente de empregados com carteira assinada cresceu 1,5 por cento frente ao trimestre anterior, um acréscimo de 540 mil pessoas, e 2,6 por cento frente ao mesmo período do ano anterior, acréscimo de 845 mil pessoas.
A Pnad não foi o único indicador do dia. A Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou, na manhã desta sexta-feira, os indicadores de confiança dos Serviços e da Indústria referentes a fevereiro. O Índice de Confiança de Serviços (ICS) recuou 1,7 ponto para 94,4 pontos, o menor valor desde outubro de 2019. Em médias móveis trimestrais, o índice cedeu 0,3 ponto, interrompendo a tendência ascendente iniciada em julho do ano passado.
Segundo a FGV, o ICS voltou aos níveis de setembro de 2019 e devolveu quase todos os ganhos obtidos nos últimos meses do ano passado. Segundo Rodolpho Tobler, economista da FGV, o que mais chamou a atenção no resultado foi a diminuição das expectativas após três meses de alta. “A combinação sugere um início de ano com ritmo lento e poucas perspectivas de recuperação mais forte nos próximos meses”, diz Tobler.
Apesar da piora das expectativas, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) do setor de serviços subiu pelo segundo mês consecutivo, ao variar 0,6 ponto percentual em fevereiro, para 82,9 por cento, o maior nível desde junho de 2016.
Já a confiança da indústria melhorou em fevereiro. O Índice de Confiança da Indústria (ICI) avançou 0,5 ponto para 101,4 pontos, mesmo nível de março de 2018. Com o resultado, o índice registra a quarta alta consecutiva e um avanço de 6,0 pontos desde outubro de 2019.
O Nuci da indústria subiu 0,5 ponto percentual para 76,2 por cento, mesmo valor observado em outubro de 2018. Em médias móveis trimestrais, o NUCI subiu 0,3 ponto percentual, passando de 75,4 por cento em janeiro para 75,7 por cento em fevereiro.
Segundo Renata de Mello Franco, economista da FGV, a alta das expectativas de demanda justificou a melhora do índice. No entanto, diz ela, a sondagem para os próximos três meses indica certa cautela. Mello Franco adverte que a pesquisa foi produzida com dados coletados até o dia 21 de fevereiro. “Ela não capturou, portanto, a piora do cenário econômico mundial com a divulgação de casos de coronavírus na Europa e no Brasil.”
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