A reação do mercado à aprovação, pelo Senado, da Medida Provisória (MP) 1.031/2021, que regula a proposta de capitalização da estatal Eletrobras (ELET3/ELET6) foi de alta. A proposta foi aprovada na noite da quinta-feira (17). Logo na abertura dos negócios na sexta-feira (18), as ações subiram mais de 10 por cento. E os dois papéis mais negociados, Eletrobras ON (ELET3) e Eletrobras PNB (ELET6) encerraram a semana com altas de 5,9 por cento.
A alta dos preços mostra que os investidores estão esperançosos. Nesse caso, porém, a esperança de tempos melhores para a Eletrobras (e, por tabela, para todo o setor elétrico brasileiro) tem de ser temperada com uma dose saudável de ceticismo, devido à condução do processo.
Para sermos precisos, o Senado não autorizou uma venda da Eletrobras, e sim sua capitalização. Explicando. Atualmente, a União possui, direta e indiretamente, cerca de 68 por cento das ações ordinárias, com direito a voto. Pela proposta aprovada na quinta-feira, em algum momento do quarto trimestre deste ano ou no primeiro trimestre do ano que vem, Eletrobras fará uma oferta subsequente (follow-on) de grandes proporções. O governo não vai participar e será diluído. Sua participação, em um primeiro momento, cairá para 45 por cento, retirando a empresa da condição de estatal.
A expectativa é que esse movimento destrave valor. Sem as amarras do controle estatal, a holding poderá se livrar dos entraves à gestão e da ingerência política sobre o setor elétrico. Em um segundo movimento, a União venderá sua participação até reduzi-la a 10 por cento. Nesse momento, a Eletrobras será uma “Corporation”, uma empresa sem controlador definido. Uma “golden share” vai garantir que nenhum acionista tenha mais de 10 por cento do capital votante, e também visa assegurar que a União tenha direito de intervir se os fins de uma empresa tão estratégica estiverem sendo desvirtuados.
O exemplo das teles
Admirável mundo novo no setor elétrico, com meritocracia e rentabilidade? Vamos com calma. Antes de mais nada, é preciso considerar dois pontos. Um deles é que a Eletrobras obteve uma melhora gigantesca em sua gestão sob a presidência de Wilson Ferreira Júnior, um dos melhores executivos do setor. Assim, os ganhos de eficiência e produtividade já ocorreram. O segundo ponto é que a proposta para a Eletrobras foi mal-conduzida. O governo brasileiro já realizou privatizações complicadas. A mais complexa delas foi a do setor de telefonia, realizada em 1998.
Na época, o cuidado foi impedir o erro cometido pelo governo mexicano ao vender sua estatal, a Telmex, que detinha praticamente o monopólio das comunicações. A companhia foi vendida em bloco. Poucos anos depois, seu comprador, o engenheiro Carlos Slim, passou a disputar com Bill Gates e Warren Buffett o posto de humano mais abastado. E isso não foi uma coincidência.
Para impedir que isso se repetisse aqui, o governo fatiou o sistema em várias companhias, criou empresas-espelho para estimular a concorrência e estabeleceu entraves para impedir um controle unificado. Mesmo assim, levou quase uma década para que o setor se estruturasse de maneira eficiente. Ainda hoje há problemas – veja-se o caso da Oi (OIBR3/OIBR4). Mas o fato é que, nos tempos estatais, as linhas telefônicas fixas eram tão valorizadas e escassas que tinham de ser listadas nas declarações de imposto de renda. Agora, há mais conexões móveis do que cidadãos brasileiros.
Jabutis
Esse cuidado não foi tomado no encaminhamento da proposta de capitalização da Eletrobras. Nos grandes processos anteriores, a praxe era o governo encomendar estudos aos técnicos do setor público, que conhecem profundamente o setor. O grande participante disso foi o BNDES. A esses profissionais cabe a tarefa de fazer modelagens de venda e estabelecer freios e barreiras para garantir tanto a concorrência quanto a qualidade do serviço – experimente passar uma semana sem energia elétrica para entender a importância desse serviço. Descascados os abacaxis e fatiados os pepinos, entregava-se o assunto ao Congresso para dar a palavra final. Isso limitava a criação de jabutis.
No caso da Eletrobras, o governo apenas anunciou sua intenção de capitalizar a empresa e passou a bola para o vizinho na Praça dos Três Poderes. Daí algumas das emendas inseridas no texto, como a manutenção de subsídios até 2035 à energia térmica gerada a partir do carvão, muito mais cara e poluente que as demais. Ou a obrigatoriedade de realocar os 14,8 mil servidores da Eletrobras em outras estatais. Ou, para citar apenas mais uma, a obrigatoriedade de a Eletrobras contratar energia elétrica de usinas térmicas que ainda não foram construídas.
Uma das propostas mais interessantes é a de “indenizar” o povo do Piauí, que teria sido lesado no processo de privatização da Cepisa, a empresa de energia estadual. Enquanto estatal, a Cepisa prestava um serviço ruim e quase faliu. Hoje controlada pela Equatorial Energia, ela é uma das mais eficientes do sistema. E é rentável, pagando impostos ao Estado. Mesmo assim, os congressistas acreditam que o povo piauiense – que, como os demais brasileiros, merece ter energia de qualidade a um preço justo – enseja uma indenização.
Cuidado ao investir
O processo de autorização da capitalização ainda não se encerrou. A Medida Provisória ainda tem de ser enviada à Câmara dos Deputados e tem de ser aprovada até o dia 22 de junho, ou perderá a validade. E depois disso terá de seguir para sanção presidencial. Só então haverá mais clareza em como será conduzido o processo.
Essa ideia não vem de hoje. As primeiras sugestões surgiram ainda no governo de Michel Temer, em 2017. Posteriormente, o governo Bolsonaro tentou colocar o tema em pauta em 2019, sem sucesso. E agora, com uma razoável dose de pressão por parte do Executivo, a proposta foi aprovada.
Desde que se começou a se discutir a transferência da Eletrobras para o setor privado, suas ações subiram mais de 240 por cento, um resultado superior ao do Ibovespa. E é possível encontrar argumentos para a compra dessas ações, ainda na expectativa das melhoras decorrentes da transferência ao controle privado. Mesmo assim, nós, da Levante Ideias de Investimentos, não estamos confortáveis com a ideia. Nossa filosofia é evitar ações de qualquer empresa estatal, devido aos riscos de ingerência política. Sem esquecer do fato de que haverá uma eleição presidencial complexa no ano que vem. E, nesse caso, uma mudança na política muito provavelmente poderá levar a uma reversão do processo. Por isso, a recomendação é NÃO COMPRAR ações da Eletrobras.
Um abraço, e bons investimentos.
Equipe Levante.
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