O começo do governo Bolsonaro foi marcado por sua decisão de não formar coalizão no Congresso. Sob forte presença do discurso do ‘fim do toma lá dá cá’, o presidente apostou suas fichas em um novo relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo.
Foi dada autonomia para que o Congresso tocasse como quisesse a pauta do governo. Caso o presidente ficasse infeliz com o resultado, poderia usar do recurso de veto presidencial para fazer seus ajustes. Da mesma forma, o Congresso poderia derrubar os vetos que achassem inconvenientes. Esse foi o enredo de qualquer projeto de lei aprovado nestes nove meses.
Sem coalizão, sem base de governo. E a articulação política? Foi nesse contexto que a reforma da Previdência tramitou – motivada pela urgência de tornar o sistema previdenciário sustentável e por um perfil mais economicamente liberal dos congressistas eleitos. Capitaneadas por Maia e Alcolumbre, as discussões acerca da agenda de reformas tiveram seus fôlegos renovados e até apresentaram alguns resultados: a MP da Liberdade Econômica, o novo marco de telecomunicações, o pente-fino nos benefícios do INSS e a própria reforma. Na fila: reforma tributária, pacto federativo, reforma administrativa, autonomia do Banco Central, plano Mansueto… muito a se fazer ainda.
Ainda tendo que lidar com um crescimento muito modesto, o país tem dificuldades de recuperar os investimentos, dada a incapacidade do setor público de investir. Distorções no sistema tributário, por exemplo, também minam a produtividade do setor privado e a confiança do empresário. Por isso, é mandatório continuar aprovando reformas estruturais, como a tributária e a administrativa. O problema, porém, é que essas duas são muito mais complexas e envolvem mais interesses difusos do que a reforma da Previdência envolveu.
Da complexidade das próximas reformas, vem a necessidade do Poder Executivo ser o protagonista e conciliar os diferentes entre as partes. Montar um projeto que seja passivo de aprovação, em constante diálogo com os principais interessados. Fazer política com “p” maiúsculo. Sem isso, dificilmente teremos uma reforma tributária no ano que vem – a reforma administrativa, então, seria só um sonho.
Trocando em miúdos, significa fazer o que o governo não fez muito bem com a reforma da Previdência – articulação política. A reforma deve ser aprovada somente no fim de outubro, tendo demorado oito meses para sua promulgação e desidratando um terço da economia prevista. Isso porque, historicamente, o primeiro ano de governo é o mais célere para se aprovar propostas vindas do Executivo. A lógica por trás é que o presidente tem ainda muito capital político e popularidade, provenientes da sua eleição.
No caso da reforma tributária, existem já duas propostas (parecidas), cada uma tramitando em uma casa. Contudo, está claro que quem precisa lapidar qual será o projeto a ser levado adiante é o governo. Este, por sua vez, prometeu o envio de uma proposta há semanas e parece que só entregará algo também no fim deste mês. O atraso reforça: o tema é espinhoso.
É compreensível – apesar de arriscado – que o governo não tenha formado uma coalizão majoritária no Congresso. Escolhas políticas têm causa e consequência. Bolsonaro, certamente, ponderou e deixou de lado a fórmula de articulação política que prevaleceu desde o início desta Nova República e, ressalte-se, não é ilegal, corrupta, ou escusa per se. Só o tempo para dizer se a escolha foi correta. No entanto, atenção: se o desejo foi o de dar mais independência ao Congresso, por outro lado não se pode descuidar da articulação.
As ameaças de atraso na reforma da Previdência deixam claro que o Congresso quer autonomia, mas precisa de uma via aberta de comunicação com o governo. Mais que isso: promessas feitas devem ser cumpridas. Senadores querem saber cadê o pacto federativo. Onde está o crédito das emendas parlamentares prometidas. Existe independência, mas é inevitável que um poder dependa do outro. Conversar (ou… lançar mão da articulação política) é do nosso sistema.
Sem querer parecer pessimista demais, mas muito me preocupa o ritmo com que as reformas vêm sendo feitas no país. Precisávamos de um choque liberal urgente – disso, não há dúvidas –, mas nos perdemos nos pormenores. A discussão acerca da reforma previdenciária foi trazida à tona lá no governo Temer. Foram cerca de três anos para sua aprovação. Se o ritmo for o mesmo, a tão necessária reforma tributária só sairá em 2023, o que seria insuficiente para a retomada mais sólida da nossa economia.
Se a reforma previdenciária caminha para seu fim, muito se deve ao senso de urgência que foi criado sobre o tema, assim como o fato da proposta ter sido uma só. No caso da tributária, o primeiro fator é dúvida; o segundo inexiste. Mais do que nunca, é hora do governo mostrar a que veio.
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