Ah, os vice-presidentes… Para alguns, salvadores da pátria. Para outros, pesadelos que se se tornaram reais. No Brasil, não existe cargo mais importante que o vice, à exceção do próprio presidente.
É perfeitamente compreensível se a afirmação acima causou estranhamento ao leitor. Quando perguntamos sobre os políticos que subiram a rampa do Palácio do Planalto, é fácil responder. O mesmo, contudo, não ocorre quando estamos falando de seus sucessores imediatos. Aliás, você saberia dizer quais são as funções de um vice-presidente brasileiro?
As funções de um vice-presidente
Pois é. Dos mais de 250 artigos e quase 100 emendas presentes na Constituição Federal, apenas o artigo 79 versa exclusivamente sobre o Vice-Presidente da República. Cito: “Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente. Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais“.
Em outras palavras, a função do vice é substituir o presidente do cargo. Isso vale tanto para situações em que o titular do cargo está fora do país como para os casos de renúncia, morte, cassação ou impeachment. Suas atribuições são, portanto, as mesmas que a do presidente. Temos, porém, a lei complementar que lhe confere maiores atribuições, certo?
Errado. Com mais de 30 anos desde a promulgação da CF/88, ainda não se criou uma lei complementar estendendo as competências do Vice-Presidente da República. Atualmente, existem alguns projetos de lei que podem mudar tal panorama.
A importância do vice
Isso não significa, entretanto, que o vice-presidente não é importante. Pelo contrário, historicamente temos exemplos de vices muito ativos na gestão pública, articulação política e para auxiliar no resultado das eleições.
Tivemos, inclusive, oito ocupantes do cargo que vieram a assumir a Presidência da República no lugar do presidente definitivamente: Floriano Peixoto (1891), Nilo Peçanha (1909), Delfim Moreira (1918), Café Filho (1954), João Goulart (1961), José Sarney (1985), Itamar Franco (1992) e Michel Temer (2016). Se considerarmos que a história do país contabiliza 38 presidentes empossados até hoje, os vices que ocuparam o cargo representam ⅕ do total.
Da história recente (redemocratização para cá), tivemos episódios marcantes com vice-presidentes. Essas figuras foram protagonistas de importantes alianças – como Lula (PT) e José de Alencar (extinto Partido Liberal) – e também de crises conjunturais, caso do impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff, em que assumiram Itamar e Temer, respectivamente. Tivemos também Marco Maciel, o vice-presidente de FHC. Apesar de ser discreto, o recifense detém o recorde de mais tempo no cargo.
Percebemos então que o vice-presidente tem, sim, grande importância para o cenário político brasileiro. Nesse contexto, salta aos olhos de todos os atritos entre a família do presidente Jair Bolsonaro e seu vice, General Mourão.
Bolsonaro e Mourão
Para quem não lembra, o general foi da água ao vinho após as eleições. Antes muito atrapalhado e até grosseiro em suas declarações, agora incorporou o moderado. Isso não agradou o clã Bolsonaro e seus seguidores – que logo levantaram suspeitas sobre o comportamento.
Fato é que o relacionamento entre Mourão e Bolsonaro vai e vem. Como o próprio presidente admitiu, “vice é sempre uma sombra, mas por enquanto está tudo bem”. Entre tapas e beijos, a relação presidente-vice não é tão sólida como era de se esperar. Essa última semana deflagrou um novo atrito, agora entre Carlos Bolsonaro e Mourão.
Carlos usou seu bendito Twitter para atacar, incessantemente, o general. Mesmo não envolvendo o próprio presidente, não houve nenhum tipo de retaliação de Bolsonaro pai – quem cala, consente.
Por que tanta discórdia?
Venho lendo interessantes análises sobre a atitude do clã Bolsonaro frente ao militar. Alguns acreditam que os atritos são inevitáveis dados os variados grupos de poder que compõem o governo. Outros entendem que as ações têm como premissa o desprezo da família à tradicional democracia liberal. Sinceramente, eu não sei se é possível entender o que se passa por trás de Carlos, Eduardo, Flávio e Jair. Talvez só o tempo dê a resposta.
O que é mais evidente, porém, é que o Executivo se constrói em torno de um modus operandi autocrático, calcado na dinâmica do conflito constante; da política da desconfiança e denúncia recorrente de inimigos.
Essa ideia não é minha. Peguei emprestada do jornalista e comentarista político Carlos Andreazza. Segue o raciocínio preciso: “O governo Bolsonaro é um terreno para confronto incessante. Os choques não são pontuais nem podem ser compreendidos como típicos de uma administração ainda no início, mas consistem na exata expressão do grupo bolsonarista mais influente, a autointitulada ala antiestablishment, que não existe senão forjando campos de batalha para a tal guerra cultural.”
Respeita o vice
Não faltam exemplos empíricos que sustentem a tese acima – isso porque estamos falando de somente quatro meses de governo (um pouco menos, na verdade). Certo ou errado, é a estratégia que Bolsonaro tenta imprimir. Inclusive, não tenho muito apreço pelo maniqueísmo quando falamos de política: nesse campo, não existe bem ou mal e ouso dizer que talvez nem certo ou errado.
O que deve ser reiterado, portanto, é a importância do vice-presidente no governo. Bolsonaro comparou sua relação com Mourão à de um casamento. Na mesma linha, o alerta aqui é que isso significa que a relação pode ter diversos desfechos. Sem harmonia, ao cabo, sempre haverá um lado ganhador e outro perdedor. E diferente de outros casos, não é possível demitir o marido ou a mulher. É bom nunca subestimar o papel do vice-presidente.