A dança das cadeiras vai chegando ao fim. A época dos ensaios se esgotou. Logo, logo é pra valer. A equipe de Bolsonaro está praticamente toda escalada e ficou mais com cara de orquestra do que de conjuntinho. Se antes falava-se em, no máximo, 15 ministérios, agora “não vai chegar a 20, não, tá ok? É 20 no máximo ali”.
O presidente eleito até acreditou em uma redução pela metade da “banda” (são 29 no governo Temer), mas viu que instrumento não toca sozinho. E resolveu dançar conforme a música da governabilidade.
Falando nela, há de se convir que a melodia, dessa vez, tem uma pegada diferente, beirando o estranho. Tá meio pot-pourri demais. E, sinceramente, fazia tempo que não ouvíamos esse estilo – todo misturado, meio sobreposto. Estaria ele fora de moda?
Até agora, já compõem o grupo: 5 militares; 2 pupilos do professor exilado em Virgínia, Olavo de Carvalho; 3 membros do núcleo duro de Bolsonaro; 2 de bancadas temáticas; 2 economistas liberais e o resto pelo perfil mais técnico. Em outras palavras, tem levada de marchinha, sertanejo, gospel, bluegrass (música tradicional norte-americana, popularizada em Virgínia e estados vizinhos) e até um hard rock germânico – já que o futuro presidente disse que é fã da banda Scorpions.
Sem saber qual será o resultado dessa música mais experimental, mas convicto de que quer ser o maestro, Bolsonaro bateu o pé e declarou o fim do “toma lá dá cá”. Quem deve acompanhar o ritmo agora são os outros – se quiserem. Chega de presidente no backing vocal e os partidos no solo de guitarra. Sem mais dependência partidária para governar.
Mas será que a música vai vender? Afinal, tudo gira em torno dos clientes. Em recente pesquisa divulgada pelo Infomoney, 63% dos 1.000 entrevistados com mais de 16 anos em todas as regiões do país aprovaram a montagem do governo e as primeiras medidas anunciadas pela equipe do líder eleito.
Analogamente, seria o mesmo que dizer que 63 de 100 pessoas comprariam o CD da banda antes mesmo de ver ele pronto. Mas quase ninguém, na prática, faz isso – ainda mais com um grupo estreante como o atual. Por isso, se o disco não for muito bem produzido e mixado, bye bye apoio.
Ainda sobre som, ruídos e afins, escutei nessa semana um podcast (se você não sabe do que estou falando, sinto-lhe dizer, mas você parou no tempo) com um dos grandes maestros da ciência política brasileira, Sérgio Abranches, sobre presidencialismo de coalizão, sistema político brasileiro e perspectivas para o governo Bolsonaro.
Perguntado se o futuro presidente seria capaz de tocar a banda sem o “toma lá dá cá” da política, Abranches foi direto ao ponto: é possível, mas complexo. Basicamente, o acadêmico entende que se não é pela negociação de ministérios em troca de apoio, deve ser pelo convencimento de que seu programa de governo irá resolver ou mitigar os problemas do Brasil.
Governar com coalizão de bancadas, como Bolsonaro ensaia fazer, não parece ser uma opção. Historicamente, bancadas são fluidas e altamente solúveis se o tema não lhes interessa. É ingênuo achar também que a visão de mundo da bancada da Bíblia seja a mesma da saúde, da segurança pública, da ruralista e por aí vai…
É improvável que misturar sertanejo com rock, com pitadas de gospel e marchinhas militares resulte em algo sequer audível – e não puro barulho.
Assim, faz mais sentido para o novo presidente assumir o papel de líder da banda ou maestro – como preferir –, para aproveitar a onda de aprovação e convencer seus colegas de profissão de que seu projeto, de fato, é o melhor. É hora de aproveitar o hype, chamar a responsabilidade e começar a lapidar o disco que fique com a sua cara. No fim das contas, grandes músicos são aqueles capazes de transmitir fortes mensagens por meio de seus sons e promover ‘ventos de mudança’, como o título de uma das músicas mais famosas da banda favorita de Bolsonaro.