“Lula foi brincar de Deus e se queimou”, proferiu Ciro Gomes logo após as eleições de 2016, cujo resultado foi o pior da história do Partido dos Trabalhadores. A frase caiu que nem uma luva nos anos que a sucederam. Com o desdobramento das investigações da Operação Lava Jato, o petista foi condenado à prisão por 12 anos.
Em um mundo ideal, onde indivíduos fossem mais racionais e menos egocêntricos, o ex-presidente assumiria seus erros e arcaria com as consequências legais. Todo mundo erra. No entanto, no Brasil já deixaram a racionalidade de lado faz tempo.
A preservação da democracia
Se há algo claro para mim após os frágeis 30 anos de democracia nesse país é que, independente de convicções políticas, ela deve ser preservada. Qualquer coisa que fuja do nosso regime atual é extremamente nocivo e não cabe no século XXI.
E já está mais que provado que democracias fortes e consolidadas se constroem com respeito irrestrito às instituições e às leis. Não gosta das regras do jogo? Lute para mudá-las nas casas legislativas. Jamais na carteirada, na truculência ou qualquer outro meio escuso.
A narrativa fantasiosa de Lula
Infelizmente, Lula e o PT não mais parecem se importar com essas questões. Como o editorial do Estadão desta quarta (05) escreveu, “para o partido e seu demiurgo (divindade), só há democracia quando eles estão no poder”.
A fantasiosa narrativa construída pelo partido chega a ofender qualquer um que não esteja blindado pela cegueira ideológica — mal este que tanto atrasa o país. O operário é um “preso político” e uma eleição sem ele é “fraude”.
Sob essas duas premissas, o partido vem desafiando instituições como o Tribunal Superior Eleitoral, que já teve de barrar 5 (CINCO!) propagandas petistas desde que o registro de Lula foi negado no último sábado (1).
Os petistas parecem não se importar com a Justiça Eleitoral, trazendo insegurança jurídica na maior festa da democracia, a eleição.
O que mais chama atenção é que até mesmo alas internas do partido já não aguentam mais a procrastinação em torno da candidatura de Lula. Além de a decisão final ser sempre dele — ao melhor estilo de grande timoneiro — decidiu-se agora que a troca para a chapa Haddad-Manuela ocorrerá no limite do prazo dado pelo TSE, no dia 11 de setembro.
Um drama policial de baixa qualidade
A estratégia é filmar a “passagem do bastão” para Haddad, em Curitiba. O ex-presidente estaria escrevendo um testamento político para simbolizar sua confiança no novo candidato.
Em resumo, estamos diante de um drama policial de baixa qualidade, daqueles que você sai do cinema no meio do filme porque tudo parece muito artificial.
Do ponto de vista eleitoral, é difícil de concluir se a opção estratégica de prorrogar a mudança do candidato é positiva ou negativa para a transferência de votos. Acredito que o partido mais perde do que ganha, na medida em que talvez seja tarde demais para Haddad herdar os votos do espólio.
A constatação de Ciro Gomes sintetiza muito bem esse desejo megalomaníaco do PT, capitaneado por Lula. É reflexo também de um jovem e imaturo sistema político, que sofre muito para neutralizar esse tipo de afronta. Lula foi brincar de Deus e se queimou, mas deveria ter a humildade de poupar os outros do fogo.