Todo mundo sabe da história contada da Independência do Brasil. Às margens do Rio Ipiranga, Dom Pedro I teria apontado, do alto de seu cavalo, a espada em riste e ratificado a ordem de separação do Brasil de sua colônia portuguesa, com o consagrado “Independência ou morte”.
Essa memória, porém, é mais presente no imaginário da população brasileira do que propriamente nos registros históricos. Não há evidências de que o grito do Ipiranga foi proferido e, na verdade, conta-se que o imperador estava sofrendo de problemas intestinais – concretizando um 7 de setembro, no mínimo, constrangedor.
Em 1888, o artista Pedro Américo pintou o quadro que hoje representa o gesto oficial de independência do Brasil. De fato, por vezes a realidade pode ser muito tediosa. Exatos 199 anos depois, observamos um presidente usando do mesmo ufanismo para mobilizar seus apoiadores a irem às ruas das principais capitais do País.
Ao afirmar que existem apenas três possibilidades para seu futuro, “estar preso, ser morto ou a vitória”, Bolsonaro indiretamente apela para o emocional de seus apoiadores – que consideram as duas primeiras alternativas desfechos trágicos – e tenta criar uma narrativa de libertação nos mesmo moldes do episódio que deu origem ao feriado do 7 de setembro.
Curioso é perceber que a realidade pode, mais uma vez, ser muito menos impactante do que o discurso que a precede. O presidente incita manifestações contra outros Poderes e pede para a população dar “um recado para o Brasil e para o mundo, dizendo para onde esse país irá”. Um olhar atento, contudo, pode levar a crer que existe uma minuciosa estratégia traçada por detrás do evento, que visa beneficiar mais o presidente do que trazer qualquer tipo de ruptura.
Mais do que um novo sete de setembro, Bolsonaro tem objetivos mais importantes com as manifestações por ele promovidas neste próximo feriado. Além de confrontar e intimidar, em nome de uma suposta justiça, as instituições que servem, recorrentemente, de contrapeso às suas vontades, a ocupação das ruas na próxima terça-feira (7) servirá de vitrine para que o atual governo e seus apoiadores demonstrem força política, de olho em 2022.
Se, enquanto nos aproximamos da marca de um ano até às eleições do ano que vem, a avaliação do atual mandato segue nas mínimas históricas, ao mesmo tempo os 20% a 25% de apoio a Bolsonaro – seu núcleo duro eleitoral – parecem ser suficientes para colocá-lo contra o ex-presidente Lula em um eventual segundo turno. O cenário perfeito para ambos, já que Lula acredita que pode colher frutos do antibolsonarismo, e vice-versa.
Nesse contexto, os alertas para que o presidente modere seu discurso visando ganhar apoio de maior parcela do eleitorado são tão inócuos quanto os apelos para que as manifestações do 7 de setembro não sejam violentas. Fato é que, com a autorização da justiça para que a oposição também organize protestos no mesmo dia, vai depender muito mais do calor do momento (e, claro, da força policial) para que não haja confronto entre os participantes.
Está posto, ainda, que a agenda do 7 de setembro é também um projeto de longo prazo que vem sendo construído pelo atual presidente e movimentos de direita conservadora. Longe do PSDB e de outros partidos cuja origem se remete à antiga direita brasileira (como o PFL, entre outros), uma nova direita tenta se consolidar no cenário político brasileiro. É um grupo que não tem muito interesse na dinâmica coletiva de sociedade, que exacerba os direitos individuais e que não nutre apreço pela Constituição Federal de 1988 e o marco institucional que ela representou para o País.
Com efeito na experiência de Donald Trump e o Partido Republicano, a estratégia bolsonarista é ir muito além de 2022. Em caso de reeleição, mantendo-se no poder; em caso de derrota nas urnas, não reconhecendo o resultado e preparando uma eventual volta para a política em pleitos posteriores.
Desse modo, não há risco de ruptura justamente porque também não interessa aos movimentos bolsonaristas perder a legitimidade e o direito a ocupar as ruas. É provável, no entanto, prever mensagens mais enfáticas de seus apoiadores – das mais generalizadas, contra o status quo, até as mais direcionadas, a ministros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo.
Por outro lado, há uma narrativa homérica em torno das manifestações, que ajuda a conectar o presidente com suas bases e incentivá-las a participar. Nesta semana, Bolsonaro afirmou que “nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro.” Em que pese toda a catarse envolvida, a realidade não deve comparar as manifestações àquelas que precederam o impeachment de Dilma Rousseff – as maiores já registradas na história brasileira.
Dado toda a conjuntura atual, o mercado prefere tomar cautela extra para o feriado. Ainda mais por conta do feriado do 6 de setembro (Labor Day) nas bolsas americanas, será provável alguma realização no pregão da véspera e, a depender do desfecho, durante o resto da semana.
Não espere, no entanto, grandes mudanças no cenário político atual. Os desafios continuam grandes, o país continua crescendo pouco, reformas permanecem paralisadas e os governantes atendem mais seus próprios interesses do que os interesses da população.
—