Na coluna de hoje, vou falar sobre o impacto da possível alta das taxas de juros nos Estados Unidos sobre os investimentos no Brasil, como proteger uma carteira de ativos se o Fed (Banco Central dos EUA) começar a reduzir a liquidez mundial e iniciar a trajetória de alta nas taxas de juros de curto prazo (Fed Funds).
Na quarta-feira (19/maio), foi divulgada a Ata da reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), realizada nos dias 27 e 28 de abril.
Leitura da Ata do Fomc
A leitura, a partir das declarações do Copom americano é: o Fed anunciou, tímida e cautelosamente, uma mudança de rota na condução da política monetária.
O resumo das 13 páginas da Ata pode ser este: dependendo dos indicadores da economia americana (emprego, PIB e inflação), os membros do Comitê podem começar a discutir uma redução das medidas de estímulo econômico. Mesmo usando a linguagem neutra e cautelosa dos bancos centrais, essa declaração indica uma nova direção.
Estímulos na economia têm efeito colateral
Os diretores do Fed já começaram a considerar o efeito das já previstas distorções provocadas pelas medidas de estímulo econômico.
Desde o início da pandemia, o Fed vem comprando 120 bilhões de dólares em títulos públicos todos os meses. Em um cálculo aproximado, seu balanço atingiu 7,9 trilhões de dólares, quase o dobro do que era antes do coronavírus.
Aqui estamos falando de uma “chuva de dinheiro” nos EUA, proporcionada pelo Fed e pelo Congresso, bem ao estilo Silvio Santos jogando aviãozinho de dinheiro para a plateia do show de calouros.
Distorções nos dados de emprego dos EUA
Um claro exemplo desta distorção na economia americana pode ser observado nos dados de emprego dos EUA: mesmo com a criação de 597 mil vagas de trabalho abertas em março, com um recorde de 8,12 milhões de vagas disponíveis, a quantidade de contratações no mês de abril foi apenas de 226 mil, muito abaixo das 770 mil de março e muitíssimo menos do que a expectativa, que era de quase um milhão de contratações.
Essa diferença entre muitas vagas e poucos empregos pode ser creditada às medidas de estímulo econômico. A maior parte das posições em aberto é para trabalho de pouca qualificação, como os empregos em bares, restaurantes e hotéis. A demanda por mão de obra está elevada nesses setores, neste momento de reabertura da economia. Porém, muitos trabalhadores preferem ficar em casa enquanto continuarem a receber os estímulos.
Pergunta de um trilhão de dólares
A pergunta de um trilhão de dólares é quando o Fed vai começar a subir os juros nos EUA e começar a reduzir a injeção de liquidez nos mercados internacionais?
Inflação nos EUA
O principal índice de inflação dos EUA (CPI – Consumer Price Index), subiu bastante no mês de abril. A alta acumulada é de 4,2 por cento nos últimos 12 meses, comparado à variação acumulada de 2,6 por cento nos últimos 12 meses encerrados em março.
Taxa de juros de curto prazo
A taxa de juros de curto prazo nos EUA, o chamado Fed funds equivalente à taxa Selic, está atualmente muito baixa e permanece no intervalo de zero a 0,25 por cento ao ano, de maneira a estimular a economia americana.
Na última decisão sobre a taxa de juros, com o respectivo discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, as declarações foram ao encontro de uma política monetária mais estimulativa da economia dos EUA, com tolerância à inflação mais alta para que o emprego, a renda e o PIB norte-americanos possam se recuperar da pandemia.
Treasuries
As taxas de juros futuras do Tesouro dos EUA com prazo de 10 anos, as chamadas Treasuries, são basicamente pré-fixadas e estão, atualmente, no patamar de 1,65 por cento ao ano.
Curiosamente, o investidor que comprar hoje títulos de dívida dos EUA (Treasuries) perderia dinheiro no caso de uma virada na política do Fed com aumento das taxas de juros (fed funds), se resgatasse antes do vencimento.
Na renda fixa, quando a taxa (yield) sobe, o preço unitário (PU) cai devido à marcação a mercado (um ótimo tema para colunas futuras).
O que fazer? Como se proteger?
Existem algumas alternativas para proteger os seus investimentos da alta da taxa de juros nos EUA, mas nenhuma é assim direta, pois os juros pós-fixados (CDI) são uma “jabuticaba” brasileira, único investimento sem risco de perda, o chamado overnight para quem é um pouco mais velho.
Não invista em Treasuries agora
Nos EUA, as taxas de juros futuras são pré-fixadas e, conforme eu expliquei acima, existe risco de perda no caso de subida da taxa de juros, então investir em Treasuries neste momento NÃO é uma boa alternativa para se proteger da alta da taxa de juros nos EUA.
O caixa é o rei
A primeira alternativa, meio óbvia, é ter caixa investido em ativos líquidos com remuneração atrelada ao CDI com baixo risco (ex: CDB de banco de primeira linha como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander), afinal a remuneração final do investimento depende da taxa de juros local (Selic/CDI).
O caixa é o rei e é sempre bom ter uma “reserva de oportunidade” para comprar ativos em momentos de crise, essa reserva vem depois da reserva de liquidez que é muito importante. Somente para lembrar que o CDI não morreu, pois a taxa de juros Selic deverá atingir 5,5 por cento ao final de 2021.
Ouro como hedge e reserva de valor
A segunda alternativa mais segura de investimento como reserva de valor seria o ouro cotado em dólar, seja através de fundo de Ouro, Dólar ou de ETF (GOLD11).
Ações: mais valor e menos crescimento
Uma terceira alternativa seria na renda variável (ações): reduzir a exposição a empresas de crescimento (tecnologia) e aumentar a posição em empresas de valor, que distribuem dividendos (renda). Uma alta nas taxas de juros nos EUA ocasiona um aumento imediato na taxa livre de risco e, portanto, no custo de capital das empresas. Esse aumento no custo de capital é mais intenso nas empresas de crescimento, com impacto maior no valor justo das empresas.
Conclusão
Para terminar, como eu não fico em cima do muro: não acredito que o Fed vai aumentar a taxa de juros ainda em 2021.
A economia americana é o motor econômico do mundo e ainda está sob fortes distorções devido aos estímulos para superar os impactos devastadores da pandemia da Covid-19.
Tudo parece estar voltando à normalidade aos poucos, com a retomada da mobilidade e a abertura das economias, mas o processo será lento e cheio de “idas e vindas”.
O banco central dos EUA é bastante orientado para dados e estatísticas, que no momento estão bastante prejudicadas pelas distorções na base de comparação de 2020.
A minha recomendação final é: não seja pessimista demais quando surgem más notícias e nem otimista demais com as boas notícias.
Em resumo: se prepare para o pior (mais risco que demanda mais liquidez) e espere pelo melhor (um melhor retorno ajustado ao risco).
Abraços,
Eduardo Guimarães.
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