O principal evento político de 2020, finalmente, conhecerá seu desfecho. No dia 3 de novembro, daqui a três dias, milhões de americanos vão às urnas – isso se já não foram – escolher entre o atual presidente e candidato Republicano, Donald Trump, e o ex-vice-presidente de Barack Obama, representando os democratas, Joe Biden. Daí, saberemos se a Casa Branca continuará vermelha ou se voltará a ser azul pelos próximos quatro anos.
Se você tem acompanhado o que eu venho escrevendo desde meados de julho, sabe que Joe Biden é franco favorito a tomar a cadeira que, hoje, pertence a Donald Trump e aos Republicanos. E sabe, também, que o Senado americano, essencial para o debate tributário e econômico do País, deve ser decidido por margem apertada, portanto, seguindo sem favoritismo para nenhuma das siglas. Ainda, sabe que o sistema eleitoral americano possui peculiaridades em relação ao brasileiro – e que essas características são fundamentais para entender as chances de cada candidato de ser o próximo presidente americano.
Nesse contexto, a partir do nosso próximo encontro já não estaremos mais falando acerca da corrida presidencial, mas sim da fase de apuração dos resultados nos EUA. Sendo assim, é preciso ficar de olho tanto em estados considerados chave para definir o vencedor quanto na quantidade de votos antecipados – em especial, naqueles enviados pelos Correios –, e sua respectiva apuração.
As eleições de 2020 serão especialmente interessantes por conta da Covid-19 e de suas implicações no sistema de votação americano. Nos EUA, a depender de cada legislação estadual, pode-se votar no “dia D” ou antecipadamente, seja por vias presenciais ou pelos Correios. Atualmente, todos os estados oferecem a possibilidade de votação pelo Correio, apesar de alto grau de variação nas regras e procedimentos.
Em nove estados e na capital do País, Washington D.C., os votos são enviados antecipadamente por correspondência a todos os eleitores, ficando sob encargo do eleitor decidir qual a melhor opção para exercer, caso queira, seu voto. Já em outros estados, se o eleitor optar por votar pelo Correio, ele deve solicitar a sua cédula antecipadamente – em alguns estados, somente eleitores filiados (aos Democratas ou aos Republicanos, majoritariamente) dispõem dessa possibilidade. A depender do estado de votação, serão aceitos apenas votos pelo Correio entregues até o dia 3 de novembro, enquanto em outros locais, há um prazo de dez dias contados após o dia efetivo das eleições.
Devido à pandemia, espera-se que o número de votos pelo Correio seja recorde – estimativas apontam para cerca de 50% dos votos totais exercidos à distância. Até o fechamento desse texto (30/10), já haviam sido computados 83 milhões de votos antecipados, sendo pouco mais de 54 milhões enviados pelos Correios e quase 30 milhões de votos presenciais.
Outro fenômeno esperado é o de recorde no comparecimento às urnas – também conhecido como turnout –, uma vez que essas eleições estão especialmente radicalizadas entre democratas e republicanos, além de haver, teoricamente, maior facilidade para votar. No gráfico abaixo, pode-se observar a evolução da população eleitoralmente ativa (hábeis a votar, segundo a lei americana), além da porcentagem de comparecimento no eixo à direita. Para 2020, analistas estimam mais de 150 milhões de votos válidos.
Com altas expectativas envolvendo o comparecimento dos americanos às urnas, surge outra questão pertinente: para além de saber o vencedor, resta saber quando será possível definir quem venceu. Isso, porque – da mesma forma que cada estado americano tem suas próprias regras de votação – a contagem de votos varia de estado para estado, com alguns colégios eleitorais contando com processos ainda muito burocratizados. Nos swing states, estados-chave para definir o próximo vencedor, há de tudo: enquanto a Carolina do Norte, a Flórida e o Arizona tendem a apresentar resultados oficiais ainda na madrugada de terça (3) para a quarta-feira (4), outros estados, como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, devem demorar cerca de uma semana para apurar todos os votos.
Nesse sentido, será muito importante acompanhar com sobriedade o resultado das eleições americanas, na medida em que o resultado definitivo deve somente sair depois de 10 a 15 dias do “dia D” de votações, 3 de novembro. É possível, nesse ínterim, que a liderança oscile entre os dois candidatos.
De acordo com as estimativas dos principais veículos estatísticos e de agregadores de pesquisas dos EUA, caso Biden consiga uma vitória na Flórida ou na Carolina do Norte, por exemplo, será praticamente certo que ele seja virtualmente já declarado vencedor. Explico melhor: se considerarmos os critérios do site FiveThirtyEight, um dos maiores e mais prestigiados sites americanos de projeção estatística, Joe Biden já pode, praticamente, contar com cerca de 200 votos de delegados, provenientes de estados em que as medianas de pesquisas dão vantagem de mais de 12% para o democrata, enquanto Trump, com base na mesma premissa, tem “garantidos”, aproximadamente, 100 votos. Lembrando que quem atingir a maioria de 270 delegados leva a disputa.
O que mudou de 2016 para cá foi a performance do republicano em estados republicanos importantes e, também, nos swing states, cuja vitória de Trump foi apertada, mas, hoje, Biden parece ter importante vantagem. Tomemos como exemplo o estado de Ohio que, em 2016, resultou na vitória de Donald Trump por margem confortável de 8,1 pontos percentuais. Hoje, Trump lidera apenas por 0,6% na mediana de pesquisas elaborada pelo site RealClearPolitics, outro veículo respeitado no universo eleitoral. Nas previsões do FiveThirtyEight, inclusive, Trump segue favorito para vencer esse colégio eleitoral, mas com margem mais apertada: 55% de chances contra 45% do democrata Joe Biden.
Ademais, o suposto “erro” das previsões das pesquisas de 2016 – suposto, porque, no fim do dia, Hillary seria eleita caso o total de votos contasse, uma vez que ela teve 3 milhões de votos a mais que Trump – se deu em estados-chave para a disputa, onde o republicano acabou vencendo quando pesquisas mostravam que a democrata levaria. Nesse sentido, muito se aprendeu sobre as previsões em âmbito estadual, visto que em 2016 foram feitas com certo desleixo metodológico – os institutos de pesquisa estão muito mais preocupados na qualidade das projeções nos estados, e não tanto no panorama nacional.
Elaborei a tabela acima – compilando tanto as projeções de vitória do FiveThirtyEight quanto o agregado de pesquisas feito pelo RealClearPolitics – para exemplificar melhor a atual conjuntura eleitoral. Ainda que haja incoerências nas pesquisas eleitorais, seria preciso, mais uma vez, um erro de previsão grosseiro para que Trump continue na Casa Branca. Uma vitória eleitoral de Trump somente ocorrerá, no mínimo, caso o republicano leve todos os estados fundamentais na contagem de delegados – Flórida, Pensilvânia e Texas. Se Biden vencer, pelo menos, em um desses três colégios, será possível afirmar que o democrata estará virtualmente no comando da Casa Branca, ainda que as apurações não tenham chegado ao fim.
Reforça as chances de vitória democrata a atual previsão do FiveThirtyEight: de 100 cenários previstos estatisticamente, o site dá vitória a Joe Biden em 89 das vezes; para Donald Trump em 11 ocasiões; e em 1 desfecho, há um improvável empate técnico entre os candidatos. Lembrando que o pior cenário para as Bolsas é de uma vitória apertada, independentemente do lado vencedor, seguida de uma série de contestações jurídicas envolvendo a contagem de votos e a legitimidade dos resultados. Diante disso, a incerteza quanto ao vencedor contaminaria o humor dos investidores em escala global.
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Um abraço,
Felipe Berenguer
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