O vale-tudo surgiu de maneira inesperada nas ruas de capitais brasileiras e se disseminou com a tradicional família Grace, com os irmãos Hélio e Carlos percorrendo diversas academias cariocas de luta e desafiando lutadores de qualquer modalidade à luta.
Principais criadores do “brazilian jiu-jitsu” (BJJ), os Grace buscavam, nas décadas de 50 e 60, provar que essa modalidade de luta era a mais eficiente dentre as artes marciais. A partir daí, diferentes tipos de lutadores passaram a se enfrentar – daí o nome “vale-tudo”, cujos combates não tinham regras, limites e abarcavam todas as modalidades de lutas de pleno contato. Hoje em dia, esse estilo de luta é consagrado no mundo todo e tem como principais campeonatos o UFC e o Pride.
Se, no início, valia qualquer tipo de ataque a seu adversário, atualmente também existem restrições ao tipo de ofensiva: não vale dedo no olho, mordida, golpes na nuca, entre outros movimentos considerados “baixos”. Veja que até no vale-tudo existem limitações, sustentadas pelo bom-senso, boa conduta desportiva e ética.
Inclusive, muitos paralelos são traçados entre esportes, lutas e política. Afinal, a defesa de interesses é um tipo de embate, pressupondo que nas arenas políticas – Congressos, Executivos e afins – sempre irão existir posicionamentos divergentes. Aliás, temos observado um enorme vale-tudo político nessas últimas semanas, diante das animosidades envolvendo gastos, regras fiscais, eleições e o próprio Presidente da República.
A luta (ou guerra) da vez gira em torno da filiação de Bolsonaro, atualmente sem partido, para as eleições de 2022. Apesar de desconversar sobre sua candidatura, o presidente quer ficar mais quatro anos no comando do Planalto e, para isso, precisa estar filiado a algum partido. Lembrando que Bolsonaro foi eleito pelo então nanico PSL e depois acabou rachando com as lideranças da legenda – ficando órfão desde então, mas não antes sem tentar fundar uma nova sigla, sem sucesso.
Logicamente, com a coalizão tendo sido formada no início da segunda metade deste mandato, legendas do Centrão são as mais interessadas em filiar o presidente. Com vantagem na disputa, estão o PP e o PL, ambos já presentes na Esplanada dos Ministérios. Correndo por fora, está o Republicanos, partido que abriga o vereador Carlos Bolsonaro (RJ).
Alguns pontos importantes devem nortear a decisão do presidente: enfraquecido no Senado durante essa legislatura, Bolsonaro quer indicar candidatos ao Senado em diversos estados – nesse sentido, a legenda escolhida precisa dar tal liberdade; ademais, o presidente quer ter um aliado na alta cúpula partidária, a fim de evitar o mesmo desfecho do episódio com o PSL; e tempo de TV e rádio, assim como alguma relevância de recursos advindos do fundo partidário e do fundo eleitoral, são importantes para a decisão.
Na outra ponta, é interessante para o partido ter o atual governante em seus quadros, tanto pela visibilidade ganha pela sigla quanto pela provável filiação de deputados e senadores bolsonaristas, ampliando as respectivas bancadas partidárias no Congresso. Ao cabo, ter mais parlamentares eleitos confere maior fatia do fundo eleitoral – hoje, principal fonte de financiamento de campanhas políticas. O principal sintoma desse novo modelo é a desistência de grandes partidos brasileiros em lançar nomes para o Executivo federal e estadual em detrimento da busca por cadeiras legislativas. Alguns caciques avaliam que os gastos com campanhas presidenciais e de governadores são altos demais e não valem o retorno.
Mesmo assim, para um governo que é considerado impopular, dados os atuais níveis de avaliação da gestão, o vale-tudo para filiar o presidente está a todo vapor. o PP, de Arthur Lira (AL), Ricardo Barros (PR) e Ciro Nogueira (PI) tem convicção sobre ser a primeira escolha do presidente; o PL, por outro lado, intensificou as conversas com Bolsonaro e não tem problema em ceder as indicações para senador ao novo entrante – afinal, sua presença na Casa Alta é bastante tímida (4 cadeiras).
Presidente da sigla, Valdemar da Costa Neto endureceu o discurso e ameaçou desembarcar da base aliada do governo caso o destino de Bolsonaro seja outro. O Republicanos, por sua vez, busca filiar ministros do governo para fazer contrapeso à filiação do chefe do Executivo. Foram feitos convites ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (sem partido), à Tereza Cristina (DEM), da Agricultura, ao ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD) e ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (sem partido).
Nessa briga de gente grande, vale tudo para conseguir aumentar o poderio em Brasília. Aliás, também diz muito sobre o termômetro das eleições nos corredores do Congresso. Se Jair Bolsonaro estivesse, de fato, liquidado, nenhuma legenda estaria tão empenhada em filiá-lo, podendo até causar sequelas.
Há quem diga que o Centrão pode sair mais fragilizado e rachado deste vale-tudo. Independentemente do desfecho, com Bolsonaro em um novo partido, uma coisa é certa e líquida: no fim do dia, é cada um por si e o que importa é sair vencedor.