Na coluna de hoje, vou falar sobre a tão esperada proposta da reforma previdenciária e a perspectiva de tramitação no legislativo. Ela foi apresentada pelo governo Bolsonaro nesta última quarta-feira (20) e enviada ao Congresso Nacional.
O caminho das pedras
Recapitulando, a reforma da Previdência trata de matéria constitucional e, portanto, precisa ser entregue como Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Sendo uma PEC, ela precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e uma comissão especial revisora na Câmara e votada em dois turnos, necessitando aprovação de no mínimo ⅗ dos deputados.
Somente assim, a proposta seria encaminhada para o Senado Federal. Lá, ela passaria também pela CCJ, posteriormente votada em dois turnos e aprovada mediante maioria qualificada (⅗).
Por mais célere que seja o processo, existe um mínimo obrigatório de sessões de discussão nas comissões, estabelecido pelos regimentos internos das casas. No caso da comissão especial, por exemplo, são de 11 sessões para mais. Na CCJ, são cinco sessões.
Houve um certo burburinho nos mercados devido ao fato da PEC já apresentada no governo Temer, em 2016, não ter sido aproveitada pela equipe atual. A proposta antiga estaria pronta para ser votada em plenário na Câmara, economizando precioso tempo de tramitação.
Naturalmente, o novo processo demora mais que o “atalho” sugerido anteriormente. O que não necessariamente é ruim, visto que o encurtamento da tramitação poderia parar nos tribunais jurídicos e ter, justamente, o efeito contrário – retardando mais ainda a reforma.
A nova peça
Vamos do formato ao conteúdo. A nova reforma que Paulo Guedes e seus secretários propuseram tem muitos méritos. É evidente que foi muito bem pensada e elaborada.
Não cabe aqui entrar em muitos detalhes – até pelo tamanho do documento original – mas sugiro que aqueles mais interessados acessem a apresentação de powerpoint que o ministério da Economia divulgou.
A reforma apresentada prevê uma economia inicial de pouco menos de R$ 1,17 trilhões em 10 anos (frente aos R$ 800 bi da proposta inicial do governo Temer). Ainda, ela foca em princípios como justiça tributária e progressividade das contribuições.
Dessa forma, é possível dizer que quem ganha menos contribuirá menos e quem ganha mais, contribuirá mais.
Destaco os pontos positivos, que são: a unificação das alíquotas do RGPS e RPPS (Dúvida: as alíquotas foram unificadas, aumento geral da idade mínima e endurecimento das regras para benefícios integrais. Há, também, um aperto sobre os devedores
Do lado polêmico, temos a medida dos Benefícios Assistenciais, que pode ser considerada dura demais pela população (e políticos), principalmente por restringir o acesso ou diminuir o valor do benefício de idosos e idosos em condição de miserabilidade.
Em resumo, é uma reforma sólida, justa e mais que satisfatória para o panorama fiscal brasileiro. É uma reforma que combate distorções, reduz desigualdades e busca o conceito de justiça social, tão caro às sociedades modernas.
Estratégias de articulação
Agora, vamos do contéudo à prática. Os investidores terminaram a semana preocupados com o tempo até a aprovação da reforma e com a possibilidade do projeto sofrer recortes e remendos na Câmara e Senado, em decorrência de pressões contrárias aos ajustes.
Existem alguns sinais que fundamentam tais preocupações. O primeiro deles é que o Executivo ainda se encontra muito distante dos parlamentares. Em outras palavras, há pouquíssima articulação política consolidada.
Claro, não é má vontade do governo. Contudo, a recusa em distribuir cargos e recursos para partidos (o famosíssimo “toma lá dá cá”) dificulta a costura de alianças.
Vai ser necessário um esforço grande para contornar o problema da escassa base aliada, mas há uma abertura se houver foco na aproximação com lideranças partidárias. Nesse desafio, Rodrigo Maia pode ser um trunfo.
Ou então, admitir que o presidencialismo de coalizão se dá por meio de negociações partidárias e que, se feitas de maneira republicana, não há nada de errado nisso.
Otimismo demais?
A outra preocupação recai sobre a possível desidratação do projeto no Congresso. Analistas temem que haverá cortes e afrouxamentos de tópicos da proposta feita pelo governo. Sobre isso, tenho uma notícia boa e uma notícia ruim. A notícia ruim é que, de fato, esse processo ocorrerá.
Se na iniciativa privada não existe almoço grátis, na política não existe boa vontade gratuita. Serão feitos ajustes para que o projeto seja mais palpável à maioria dos deputados e, assim, aprovado.
A notícia boa, por sua vez, é que as condições, na minha opinião, são favoráveis para uma redução não tão drástica na economia de 10 anos. Partindo dos R$1,17 tri previstos, acredito que a reforma deverá, após as modificações, economizar por volta de R$ 750-950 bi em 10 anos.
Lembrando que a proposta original de Temer economizaria R$ 800 bi e, após sua passagem nas comissões, o valor desceu para R$ 500 bi.
Por que as condições são boas? Há um awareness maior da população sobre a necessidade de reformar o sistema; a proposta atual carrega um discurso de combate aos privilégios e redução de desigualdades; o governo pode ser bem sucedido na sua campanha de comunicação (esse ponto é essencial); a oposição está altamente desorganizada; e os estados e municípios precisam da reforma para aliviar a situação catastrófica das contas públicas.
Otimismo, mas sem exageros
Enfim, mesmo se tivermos uma desidratação da proposta, acredito que o ajuste ainda será de satisfatório para bom. Da mesma forma, não vejo nenhum cenário em que não tenhamos uma PEC aprovada depois de agosto ou setembro. Podemos respirar e torcer para que, desta vez, não coloquem água no chope.