Política sem Aspas, por Felipe Berenguer

Quantos votos a base governista garante?

No embalo do texto do último fim de semana, a coluna de hoje também abordará, por meio de uma visão mais holística da política brasileira, a relação entre o governo e o Centrão. Como já mencionado aqui várias vezes, as características do regime político-institucional brasileiro, principalmente com o advento da Constituição Federal de 1988, tornam altos os custos de governabilidade do Executivo.

Em suma, entende-se governabilidade como a eficácia de promoção da agenda governamental junto ao Legislativo – campo em que são propostas e discutidas leis e políticas públicas. No caso brasileiro, o ambiente favorável à alta criação de partidos – levando a uma hiperfragmentação do multipartidarismo –, entre outras condições, tornou praticamente impossível que o partido do presidente tenha a maioria das cadeiras na Câmara ou mesmo no Senado.

Evidentemente, ter a maioria nas Casas Legislativas garante o bom andamento da agenda programática de um governo – nos sistemas parlamentaristas, por exemplo, ela é precondição para a escolha do primeiro-ministro, o chefe de governo. Ocorre que, devido aos vários representantes eleitos por diferentes legendas no Brasil, há a necessidade de o Executivo formar uma coalizão muitas vezes heterogênea e pouco alinhada em termos ideológicos.

A literatura especializada sempre apontou o PMDB como o partido-pivô das coalizões de governo: de FHC a Temer, os presidentes que tiveram a sigla como aliada conseguiram maioria no Congresso. Nas últimas eleições, contudo, o desempenho do partido não foi bom e suas bancadas, principalmente a da Câmara, foram reduzidas. Assim, um outro grupo vem tomando o protagonismo como pivô das coalizões majoritárias: o chamado Centrão, que ganhou força desde a eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) à Presidência da Câmara, em 2015.

Neste grupo, encontram-se partidos como PP, Republicanos (antigo PRB), PL (antigo PR), PTB, Solidariedade, Avante, Patriota, PROS e PSC. No caso do governo Bolsonaro, partidos como o DEM, o PSD e o próprio MDB optam por maior independência frente ao grupo, muitas vezes votando alinhados com ele, mas negando o rótulo.

Já expliquei, em nosso último encontro, os motivos que levaram Bolsonaro a procurar o Centrão e – é claro – os motivos pelos quais esse grupo topou embarcar na base governista do Legislativo. Afinal, se um não quer, dois não fazem. Mas, na prática, dos 513 deputados, com quantos votos o governo pode contar?

Levando-se em consideração a alta disciplina partidária do nosso sistema político (os deputados, em sua maioria, votam de acordo com a orientação do partido a que pertencem), é justo colocar uma adesão à base governista de cerca de 85% dos deputados advindos dos partidos do Centrão. Sendo assim, resta-nos analisar quais partidos, efetivamente, toparam consolidar a aliança. Para isso, serão considerados aqueles partidos que receberam, ou devem receber, cargos comissionados na administração pública federal.

Até agora, o PSD, o PL, o PP, o Republicanos e o Avante. Um dos primeiros cargos distribuídos foi a diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), arrematado por Fernando Leão, quadro pernambucano filiado ao Avante, por meio de indicação dos líderes do PP. A sigla chefiada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) também conquistou a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com o chefe de gabinete de Ciro sendo, inclusive, Marcelo Lopes da Ponte, o indicado.

Ainda no FNDE, houve a indicação do ex-assessor da liderança do PL na Câmara, o advogado Garigham Amarente Pinto, para a diretoria de Ações Educacionais do Fundo. Já a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) ficou com o PSD, partido de Gilberto Kassab, e cargos de relevância da Casa Civil foram preenchidos com indicações do Republicanos, presidido pelo deputado federal Marcos Pereira (SP). O PTB, sigla de Roberto Jefferson, aguarda negociações do governo para indicar aliados para cargos de segundo escalão e terceiro escalão.

A lógica das indicações passa diretamente pela tomada de decisão orçamentária. Quase todos os órgãos acima têm orçamento de peso. Ademais, o controle deles interessa a partidos, principalmente para fins eleitorais (na esperança de que o dinheiro disponível não seja usado para fins escusos e antirrepublicanos). Indicados pelas legendas costumam privilegiar pedidos de deputados ligados ao grupo.

A partir de um simples cálculo com as nossas premissas (85% da soma dos partidos que receberam cargos + bolsonaristas), chegamos ao número de 180 deputados que virtualmente fariam parte da coalizão do governo. O número já afasta, por exemplo, a eventual possibilidade de abertura de impeachment do presidente, já que seriam necessários menos de 172 votos (um terço) contrários à abertura do processo. O montante representa 35% do total de parlamentares da Casa, o que também garante uma boa margem inicial para votações consideradas importantes para o Planalto.

Em decorrência da postura pouco conciliadora do presidente, é improvável que partidos historicamente mais “moderados” e de maior relevância política, como o PSDB, o DEM e o MDB, juntem-se à base que vem sendo formada. Já de olho em 2022, essas siglas não veem uma aproximação com Bolsonaro como proveitosa. Assim, o governo ainda terá de negociar certas pautas “no varejo”, seguindo o modus operandi do primeiro ano do atual mandato. No entanto, como a história nos mostra, ter uma coalizão, ainda que não seja majoritária, confere maior força política ao Executivo. Mas é claro que, de carona com o Centrão, vem o aumento das chances de práticas escusas – tema tão caro ao presidente.

 

Um abraço,

Felipe Berenguer
[email protected].br

O conteúdo foi útil para você? Compartilhe!

Recomendado para você

O investidor na sala de espera

Salas de espera podem ser muito relaxantes ou extremamente desconfortáveis. Pessoas ansiosas consideram aquele período de inatividade quase uma tortura. Quem precisa de um tempinho

Read More »

Ajudamos você a investir melhor, de forma simples​

Inscreva-se para receber as principais notícias do mercado financeiro pela manhã.