Política sem Aspas

Planalto entre raios e trovões

O que deveria ser uma semana de alívio se tornou um pesadelo político. Com Bolsonaro e seu núcleo duro longe de Brasília na maior parte do tempo, aqueles que desejavam festejar o início da tramitação da reforma da Previdência sofreram com muita água nos respectivos chopes.

No início da semana, todas as expectativas giravam em torno da entrega do projeto da reforma dos militares e qual seria, de fato, a economia para as contas públicas. Uma vez entregue o projeto, o presidente da CCJ da Câmara, Felipe Francischini (PSL-PR), indicaria o relator da proposta na comissão e as discussões, dessa forma, teriam início.

A previsão era de céu de brigadeiro. Só que o tempo fechou.

Intempéries

Na segunda-feira, já houve algum mal-estar entre Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e o ministro da Justiça, Sérgio Moro. Maia decidiu criar um grupo de trabalho para analisar o projeto de lei por 90 dias, antes dele seguir a tramitação natural na Casa. Na prática, isso significa que o pacote anticrime não tramitará tão cedo.

Nos dias seguintes, vimos os dois trocando farpas. Moro pensa que é perfeitamente plausível que o projeto de lei seja conduzido em concomitância à reforma da previdência. O ministro da Justiça chegou a cobrar Maia, que revidou desqualificando o pacote e sua atuação – segundo o presidente da Câmara, o juiz é “funcionário” de Bolsonaro e, caso o governo queira mudar a prioridade das propostas, é só o presidente pedir.

O desentendimento, se fosse isolado, não causaria grandes prejuízos políticos. Mas vieram os raios e trovões. Na quarta-feira (20), o governo entregou a tão esperada proposta de reforma previdenciária para os militares. O resultado veio abaixo das expectativas.

Raios e trovões

Inicialmente a equipe econômica previu, dentro do cálculo de uma economia de aproximadamente R$ 1,1 trilhão em 10 anos, uma economia com a classe dos militares na casa dos R$ 92 bilhões. No fim, a proposta apresentou um número até maior: economia de R$ 97 bi em 10 anos.

Surpreendente, certo? Até porque, o projeto era condição para que a Câmara dos Deputados iniciasse a tramitação da PEC 6/19 (a reforma da previdência).

Bom demais para ser verdade. Os militares aceitaram reformular os regimes de aposentadoria com a contrapartida de que haveria uma reestruturação de suas carreiras. Em resumo, a reformulação custará aos cofres públicos R$ 86 bilhões aproximados em 10 anos. Portanto, a economia líquida será de R$ 10,45 bilhões em dez anos.

É fato que o grupo tem bastante força política e, com certeza, usou dela para garantir que suas vontades fossem atendidas. Sabendo da iminente decepção do mercado, Guedes anunciou que nada tinha a ver com a reestruturação, cujo responsável foi o Ministro da Defesa. Acusou o golpe, reiterando que nada tem a ver com a pouca economia.

A medida para os militares vai na contramão do discurso de “sacrifício” de todos em prol do ajuste fiscal, tão necessário à economia. Eventualmente, outros grupos organizados que serão atingidos pela reforma previdenciária podem usar do exemplo para atrapalhar a aprovação da proposta.

Temer preso

Como se a semana não estivesse agitada o suficiente, na manhã da quinta-feira (21), começou uma chuva de granizo. O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, determinou a prisão do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco.

A decisão pegou todos de surpresa. A prisão do ex-presidente e um de seus mais prestigiados ministros ainda vai ser melhor digerida pelo Congresso Nacional. A avaliação inicial é de que o acontecimento tende a atrapalhar a tramitação da reforma previdenciária.

Apesar de alguns atores importantes do governo negarem a correlação dos fatos, a prisão do emedebista tira o foco da reforma da Previdência e aumenta a incerteza do cenário político em Brasília. É possível que o episódio provoque um novo atraso na agenda da Previdência.

Bolsonaro ainda vem lutando para aprimorar a articulação política e “apagar” os pequenos focos de incêndio que apareceram nas últimas semanas. O novo fogo, de maior magnitude, retira o foco da agenda. A mesma agenda que deveria estar sendo levada para frente com o máximo de celeridade possível.

Antes mesmo do susto de Temer, o Congresso já mandava um forte recado para o Planalto: o presidente da CCJ na Câmara, Felipe Francischini (PSL-PR), adiou a indicação do relator da Previdência na comissão. Alegou que o governo antes precisava prestar um esclarecimento sobre o projeto dos militares. Se até o partido de Bolsonaro não ficou feliz com o projeto dos militares, imagine o resto.

Previsão ruim

Mais nuvens negras. O amargo grand finale veio na véspera do fim de semana e foi protagonizado por ninguém menos que Rodrigo Maia. Irritado com a falta de articulação política do governo, com o episódio com Moro e com os ataques sofridos nas redes sociais – Carlos Bolsonaro, filho do presidente, o criticou publicamente – o presidente da Câmara ameaçou largar a articulação da Nova Previdência.

O democrata é um grande negociador e conhece como poucos o jogo político na Câmara dos Deputados. Indo direto ao ponto, se Maia efetivamente jogar a toalha podemos rever as probabilidades de aprovação da reforma.

Por enquanto, o cenário-base ainda é de aprovação da reforma da Previdência. Entretanto, a semana conturbada denota que o processo não será nada isento de turbulências. Via de regra, quanto menos polêmicas, melhor para o governo. Os episódios encarecem os apoios e encurtam a lua de mel de Jair Bolsonaro.

Assim, o presidente se vê, cada vez mais, na necessidade de contrariar seu discurso de campanha e fazer política tradicional. É desconfortável – tanto que ele vem adiando o máximo possível as negociações – mas inevitável. Talvez assim ele consiga dias mais ensolarados pela frente.

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