Acredito muito na temporalidade de outros elementos para além do relógio biológico. Apesar dele ser, basicamente, o metrônomo de nossas vidas, é comum o apego do ser humano a outros eventos, de modo a se situar no interminável ciclo da vida.
Explico: sabemos que é outono em São Paulo quando as calçadas, geralmente pouco arborizadas na região central, ficam cheias de folhas. Já no verão, é comum sair às 18h ou 19h e perceber que o dia ainda está claro.
Na minha experiência, diante de um fim de ano, costuma cair ficha quando chegamos nas definições dos principais torneios de futebol do País. Em meados de novembro e dezembro, o grito de “é campeão” costuma ecoar Brasil afora – e, neste momento, gosto de parar e refletir sobre tudo que passou.
Se 2020 foi um ano extremamente atípico para todo o planeta Terra, 2021 trouxe algum alento ao encaminhar a volta à normalidade – seja lá o que isso significa atualmente – ao mesmo tempo em que entregou enormes desafios para os próximos anos.
Entre eles, é possível destacar: a desorganização das cadeias produtivas no âmbito econômico; a vulnerabilidade dos países às doenças que surgem na fronteira da ciência, no âmbito político; e a fragilidade de diversas sociedades diante de um cenário adverso, onde centenas de milhões precisaram de alguma rede de proteção governamental para superar os períodos de restrição de mobilidade, no âmbito social.
Foi, especificamente, esse último aspecto que influenciou os últimos meses do debate político no Brasil, colocando de lado (por infelicidade, mas também por falta de articulação) uma agenda reformista tão necessária à realidade do País.
Com o iminente fim do auxílio emergencial – formulado em contexto pandêmico e, portanto, excepcional – constatou-se que seria necessário combater uma das vertentes mais perversas no que se refere às consequências da pandemia e depressão econômica: o aumento da população em condição de pobreza e/ou extrema pobreza.
Nas últimas décadas, uma série de pesquisadores têm se debruçado sobre os efeitos de altos índices de pobreza e extrema pobreza para sociedades como um todo. O consenso, hoje, é que – para além de ser um problema intergeracional, exaurindo quaisquer possibilidades de geração de oportunidades, a pobreza afeta não apenas crescimento econômico de um país, mas também gera consequências nefastas para a educação, a segurança pública, a saúde, entre outras áreas envolvidas no bem-estar geral da população.
É com base nesse multiplicador negativo que o compromisso do combate à pobreza e extrema pobreza torna-se inadiável, forçando os governantes a tomarem medidas urgentes para mitigar os preocupantes números.
Ocorre que, como sabemos, todo o imbróglio envolvendo o Auxílio Brasil, os precatórios da União e a construção de uma solução orçamentária não fica restrito apenas ao remédio para as mazelas da Covid-19. Por isso, a forte reação dos mercados, nos últimos meses, às decisões tomadas pelo Executivo, e chanceladas pelo Legislativo, levando em consideração o teto de gastos, o quadro fiscal brasileiro e a sustentabilidade das contas públicas.
Importante fazer esse parêntese: é imperativo evitar narrativas convenientes, mas imprecisas, sobre a suposta falta empatia do mercado financeiro sobre o Auxílio. Pelo contrário, nada mais liberal que a busca pela redução de iniquidades de oportunidades via redistribuição de renda realizada a partir de políticas públicas focalizadas e apoiadas em resultados e metas.
Prova disso é que, uma vez precificadas as peripécias feitas sobre o teto de gastos, o mercado passou a mapear incertezas sobre uma possível não aprovação da PEC dos Precatórios. Nesse sentido, por mais que a solução não fosse agradável, seria pior ter a volta de um cenário sem solução.
Entrando em dezembro, tudo indica que o impasse foi superado – e o mercado de juros, assim como a bolsa brasileira, pôde respirar um pouco. Senadores aprovaram a PEC dos Precatórios – por 64 votos a 13, no primeiro turno, e 61 votos contra 10, no segundo turno – sob o custo de revisar alguns detalhes no texto original e implicar algumas derrotas para a equipe econômica. No entanto, como sempre falamos por aqui, o ótimo acaba sendo inimigo do bom.
Resolvidos os precatórios, os parlamentares agora devem se debruçar sobre o projeto orçamentário para 2022, atraindo também a atenção dos agentes econômicos neste último mês de atividade legislativa. Darão o norte para os mercados as respostas às questões como: “quanto será o espaço fiscal aberto? Quais os gastos serão priorizados? Qual o grau de risco de rompimento do teto em 2022?”. A esperança, inclusive, é que deputados e senadores possam dar um presente de Natal para os mercados, que lutam para fechar 2021 com pelo menos um dezembro positivo.
A realidade, porém, é que esse ano praticamente já acabou sob o ponto de vista político. Especificamente em 2021, o fim de ano é também o fim de um ciclo e início de outro. Talvez os mais neófitos não saibam, mas dizem as más línguas que Brasília tem uma dinâmica peculiar em ano eleitoral. Esses ares chegam leves, passam despercebidos neste fim de ano, mas vão se intensificando à medida que os primeiros meses do ano que vem vão sendo preenchidos.