Se porventura um gênio da lâmpada aparecesse na minha frente com três pedidos, teria sérias dificuldades em escolher dois deles. Uma cifra gigante de dinheiro? Ter uma máquina do tempo? Viver para sempre? Ter poder de cura? Salvar os amigos da morte, tristeza e afins…?
São decisões tão difíceis que mal podemos chamar de decisões: são, na verdade dilemas, game changers, escolhas que mudariam sua vida. Independente das escolhas, é sempre bom ver nossos desejos realizados. Nesse caso, porém, o arrependimento de não ter escolhido outra opção pode doer – e muito.
Citei duas das três escolhas porque a minha primeira opção definitivamente seria livrar a Petrobras da ingerência política. Me chame de louco, mas eu não aguento mais sofrer com PETR4 nas mãos.
Papo sério
Desejos e brincadeiras à parte, hoje as ações da Petrobras fecharam em -7,75 por cento (PN) e -8,54 por cento (ON). O motivo foi justamente a interferência do presidente Jair Bolsonaro no reajuste do preço do diesel, fazendo com que a empresa desistisse do aumento de 5,7 por cento. Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o recuo representa uma perda para a companhia de aproximadamente 14 milhões de reais por dia.
Em 2018, o país consumiu 42 bilhões de litros de diesel – em média, 3,5 bilhões por mês. Após a greve dos caminhoneiros em maio do ano passado, a Petrobras decidiu por flexibilizar a regra de ajustes e torná-los semanais em vez de diários. Em 2019, novamente por pressão dos caminhoneiros, a empresa aumentou o período para 15 dias.
Ainda assim, a política de ajuste nos preços para o diesel segue o modelo de preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos. A partir dos preços internacionais, a Petrobras analisa de quinze em quinze dias se quer manter, reduzir ou aumentar os preços praticados nas refinarias.
Qual o problema, afinal?
Dessa maneira, quando o governo resolve barrar o ajuste dos preços, isso significa que o lucro da empresa diminui. Quanto mais intervenções, pior para a empresa e mais insatisfação dos acionistas.
A lógica é a seguinte: existem duas variedades básicas de óleo – o leve e o pesado. O leve é de maior qualidade e, portanto, pode ser utilizado na fabricação de gasolina e diesel. Acontece que a Petrobras somente é autossuficiente em petróleo pesado, que custa muito caro para refinar e exige um alto nível de tecnologia. Dessa forma, a empresa exporta grande parte desse insumo e importa petróleo leve, para misturar ao pesado e baratear o refino.
Ao não reajustar os preços do diesel na hora de vender às distribuidoras, a empresa não está repassando o aumento de custo que teve na operação de importação do petróleo leve – que subiu, seguindo o aumento do preço do barril em escala global. Na prática, ela está diminuindo seu lucro. Afinal, se os preços não sobem para os caminhoneiros (consumidores), alguém tem de subsidiar essa diferença.
Ingerência política
Claro que os investidores não ficam nada satisfeitos em tomar o prejuízo em detrimento de uma ação governamental. Exatamente por isso, existe uma grande disputa em torno do comando da empresa: a parcela privada da Petrobras defende que ela deveria priorizar os lucros, como uma boa empresa, mas o governo acaba interferindo na estatal quando entende que é necessário.
No passado recente, tivemos a experiência de Dilma Rousseff que causou prejuízos bilionários aos cofres da estatal. A conta não fechava, já que a empresa vendia o combustível por um preço mais barato do que comprava no mercado internacional. A política de preços também foi peça chave na greve dos caminhoneiros, que praticamente imobilizou o governo Temer até o fim.
Que não seja recorrente
Nesta sexta-feira, Bolsonaro assustou os mercados ao frear o reajuste de preços. Com medo do fantasma de Dilma, investidores ficarão mais cautelosos com o papel após o acontecimento. O governo afirmou que o ajuste veio em má hora, justificando a intervenção com o objetivo de evitar uma nova greve dos caminhoneiros – rumores dessa possibilidade circulavam pelas ruas de Brasília.
O presidente admitiu a intervenção na empresa e cobrou explicações sobre o aumento. Mostrando nenhum conhecimento sobre o tema, citou que o ajuste não faria sentido já que a inflação anual está abaixo dos 5%. Pura bobagem. Paulo Guedes, em viagem, nada pôde fazer.
Com medo dos caminhoneiros e prezando pela sua popularidade, o presidente acabou acionando um gatilho de alerta: se a prática continuar, teremos muito stress no mercado pela frente. Há outros indícios, entretanto, que a prática foi pontual. Sem milagres da lâmpada, o jeito é torcer pelo aprendizado do presidente.