Jorge Ben, em “País Tropical”, foi escrita em 1969 e é uma ode ao Brasil e seu povo, assim como para o gênero da Música Popular Brasileira. Sendo um sucesso instantâneo e a marca registrada do músico, a homenagem lírica é uma das músicas que mais se aproximam da identidade nacional brasileira.
O futebol, o Carnaval, o clima tropical e – sintomaticamente – às menções ao Cristo Redentor (e, indiretamente, a Deus) propagandeiam um País feliz e pulsante, ocupado por um povo acalorado e acolhedor. Até pelo contexto da época em que a música foi lançada, confunde-se um Brasil do plano real e um País ideal, cuja imagem é vendável mundo afora.
Para governar esse mesmo Brasil ambíguo, muitos políticos se apropriam das alegorias que estão no seio da identidade nacional para tratar de problemas que assolam grande parte da população. O ex-presidente Collor já foi o “queridinho” do Brasil; Lula foi “o filho do Brasil” e Bolsonaro é o “mito”. De diferentes formas, os presidentes acima conseguiram se conectar com o brasileiro médio – caso não obtivessem sucesso nesta empreitada, não teriam ocupado a cadeira mais importante do País.
É nesse contexto que trago reflexões sobre o ex-juiz, e agora pré-candidato à presidência da República, Sérgio Moro. Figura muito polêmica por ter sido protagonista central da Operação Lava Jato, recentemente, Moro se filiou ao Podemos e deu início à carreira política com grandes ambições: ser eleito o próximo ocupante do Planalto, em 2022.
Desde sua saída do ministério da Justiça, em 2020, o ex-juiz tem preferido ficar de fora dos holofotes. O paranaense se refugiou na capital dos EUA, Washington D.C. Isso até meados de setembro deste ano, quando passou a fazer visitas esporádicas ao Brasil, no que foi percebido pela imprensa como um planejamento para entrar na vida política.
Dito e feito: após algumas semanas de voos entre as Américas, Moro oficialmente retornou ao Brasil e fechou sua filiação com o Podemos – partido cujas principais lideranças são bastante próximas ao lavajatismo. Em 2018, por exemplo, o presidenciável do partido foi o senador Álvaro Dias (PR), do mesmo estado de Moro e notadamente admirador do trabalho do ex-juiz.
A legenda já trabalha para atrair novos quadros e aproveitar a aparente força intrínseca que o pré-candidato carrega. O ex-procurador da República, Deltan Dallagnol, está próximo da sigla e o general Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro, se juntou ao Podemos na última semana. O movimento parece ser prelúdio de um movimento a ser realizado por parte dos militares, ligados ao atual vice-presidente, Hamilton Mourão, para desembarcar do atual governo e apoiar o ex-juiz – já que é líquido e certo que a chapa governista abarcará outro vice em 2022.
Não ficaram restritas ao Podemos, porém, as movimentações políticas decorrentes do anúncio das intenções de Moro ao Planalto: o recém-criado União Brasil (fusão entre DEM e PSL) já movimentou suas peças no xadrez político e pretende apoiar o paranaense em troca da vaga de vice na chapa. O próprio pré-candidato do partido, Luiz Henrique Mandetta, manifestou apoio a Moro – logo após retirar, oficialmente, seu nome da corrida presidencial.
A entrada do ex-juiz, por si só, no terreno de disputa pela terceira via não é a grande força motriz das mudanças citadas logo acima. O que chacoalhou os caciques de Brasília foi seu desempenho inicialmente sólido, colocando-se como o primeiro nome logo após Bolsonaro e Lula a partir de números com alguma relevância – coisa que nenhum nome, até agora, havia atingido (ver abaixo).
Em pesquisas anteriores à publicização das intenções de se tornar presidente, Moro angariava cerca de 4 a 6% das intenções de voto. Ao tornar-se pré-candidato, o ex-juiz subiu de patamar e agora oscila entre 8 e 13%, na média, nas últimas pesquisas. Em que pese o natural crescimento do percentual pelo simples fato de Moro ter se apresentado como uma alternativa viável, a presença do paranaense faz pressão no jogo político.
Se as eleições fossem ainda este ano, seria líquido e certo que o espaço da terceira via estaria ocupado pelo candidato do Podemos. A história, contudo, mostra que o horizonte de 10 meses até as eleições é um papel com muitas lacunas ainda não preenchidas – vide os números de Marina Silva, em novembro de 2013, para as eleições de 2014.
É desse exemplo que se extrai outro importante aprendizado, a ser monitorado daqui para frente. Por ter explicitado suas intenções à Presidência, Moro agora torna-se alvo de seus adversários. Tanto Lula quanto Bolsonaro (em especial, o segundo), devem reagir à entrada do ex-juiz na corrida. Se Moro incomoda, também será incomodado por ter sido derrotado nos tribunais superiores, na questão da prisão do petista e pelo seu pedido de demissão, no caso do atual presidente.
Durante a campanha, o jogo-duro eleitoral deve vir à tona e possivelmente influenciar a aceitação/rejeição do ex-juiz perante a população brasileira. De acordo com a mais recente pesquisa Quaest/Genial (ver abaixo), atualmente ela só é menor do que a do próprio presidente Bolsonaro – informação que deve ser levada em consideração para compreender os limites do voo que Moro tem tentado levantar.
O Brasil de Jorge Ben está longe do Brasil de fato, mas de quatro em quatro anos surgem candidatos dispostos a aproximar esses dois pólos um do outro. Sérgio Moro, por enquanto, vai buscando se apropriar do discurso que Bolsonaro usou para ser eleito em 2018 – em um primeiro momento, para disputar voto onde mais faz sentido (direita e centro-direita) diante de seu espectro.
Inevitavelmente, o juiz terá de acenar para o status quo que tanto criticou em outros tempos – até para criar o carisma que lhe falta e sobra, de maneiras diferentes, nos seus adversários. No limite, incorporar o Brasil em que tudo deve ser um céu de brigadeiro é, paradoxalmente, o melhor caminho para aqueles que buscam ser agentes de mudanças e que mais criticam a atual trajetória futura do País.