Os últimos textos da newsletter tiveram um claro enfoque no governo Bolsonaro e, principalmente, na reforma da Previdência. Na semana passada, fiz uma análise (na maior sobriedade possível) comparativa entre o comportamento do presidente e os motivos do breve governo de Jânio Quadros, no início da década de 60.
Como de costume, o texto é publicado no site da Investingquinzenalmente, às terças-feiras. Por conta da delicadeza do tema, o artigo foi bastante comentado. A discussão trouxe muitas opiniões pertinentes, muitas também não.
Claro que não espero, nem desejo, que sempre concordem com minhas ideias. A toxicidade de alguns comentários, no entanto, é alarmante. Infelizmente, grande parte dos leitores não conseguem escapar de uma visão binária da política – e até do mundo.
Não há qualquer tipo de construção em algumas declarações, o que é uma pena mesmo até para a qualidade do debate na sociedade civil – esfera essa tão importante para um país melhor. De fato, a democracia é uma delícia, dou e darei minha vida por ela, mas tem certos custos.
Um assunto detox
Dessa forma, hoje vamos falar de um assunto mais light. Na noite desta quarta-feira (13), em meio às atenções voltadas para a instalação da CCJ na Câmara, foi aprovado no plenário do Senado o projeto que altera as regras do cadastro positivo.
Essa é medida muito importante para a recuperação econômica e tem como objetivo reduzir os juros cobrados pelos bancos para empréstimos. Sabemos que os juros brasileiros são altíssimos e se, por um lado, isso atrai investidores, por outro muitos não conseguem honrar seus empréstimos e dívidas.
O projeto agora vai para sanção presidencial. Ele foi proposição do Senado lá em 2017, foi para a Câmara para aprovação, mas sofreu modificações. A Câmara aprovou, com algumas mudanças, em maio de 2018. Dessa forma, o projeto voltou ao Senado para nova discussão nas comissões e, em seguida, no plenário. Os senadores acataram as modificações dos deputados.
O cadastro positivo, para quem não sabe, é um banco de dados com informações sobre o histórico de crédito dos consumidores – eu, você, a lojinha de doces, até grandes empresas. Até a aprovação das mudanças, o nome dos bons pagadores somente poderiam estar no banco de dados mediante autorização do cadastrado.
O que muda no cadastro
Com a nova lei, o cadastro positivo funcionará da mesma forma que o negativo: as instituições financeiras poderão incluir automaticamente informações neste sistema. O consumidor será notificado por escrito em até 30 dias após a inclusão e pode pedir para retirar seu nome a qualquer momento.
O projeto de lei também amplia a gama de instituições autorizadas a utilizar os cadastros positivos para análise de crédito. Até então, somente instituições habilitadas pelo Bacen podiam ter acesso. Agora, as fintechs também ganharam a permissão.
Por outro lado, as alterações na Câmara reforçaram a proteção aos dados do consumidor. Antes considerado muito vago nesse quesito, agora o projeto prevê o dolo para os bancos de dados em eventuais danos materiais e morais aos cadastrados.
Além disso, o consumidor poderá consultar gratuitamente as informações sobre ele existentes no banco de dados – incluindo sua nota ou pontuação de crédito.
Os efeitos
Uma vez sancionado por Bolsonaro, o projeto deve promover melhores condições de empréstimos no país. A medida é um dos catalisadores para a redução do elevado spread bancário brasileiro (diferença entre a taxa básica de juros, taxa Selic, e a taxa média que consumidores pagam às instituições financeiras).
Além de outros motivos, um dos fatores do alto spread é a imprecisão (ou até falta) do perfil de crédito dos consumidores. Em outras palavras, somente o seu banco tem suas informações – os concorrentes não tem ideia do seu perfil.
Segundo o economista Sergio Werlang, da FGV, “isso permite que o banco cobre juros maiores pois o cliente não mudará de banco já que o concorrente, que não o conhece, poderia cobrar uma taxa ainda maior”.
E eu com isso?
Com o cadastro positivo, a equipe econômica do governo defende que o spread pode cair até 30% em alguns produtos do mercado de crédito. Isso estimula o consumo dos bons pagadores.
Atualmente, as oportunidades de crédito levam em conta o risco da totalidade dos consumidores. Dessa forma, aqueles que têm bom histórico não têm nenhum benefício. Com o cadastro, a competição pelos consumidores nos bancos tende a aumentar.
Completos dois anos após a vigência da lei, o Banco Central será obrigado a encaminhar um relatório com os resultados alcançados para o Congresso, para fins de reavaliação legislativa.
Sempre atento
O cadastro positivo é uma das medidas que afetam o contexto microeconômico no país e, por vezes, não são tão destacadas. Com a reforma da Previdência em alta, a aprovação do cadastro passou batida. Minha missão aqui, além de comentar os principais fatos políticos, é trazer para você, investidor, o acompanhamento de perto sobre medidas que afetam a nossa economia.