Política sem Aspas, por Felipe Berenguer

CPIs: tudo o que você precisa saber | Política sem Aspas

O jargão “acabar em pizza” é, muitas vezes, usado para descrever alguma investigação ou fiscalização promovida pelas autoridades legais do País, em que o desfecho traz algum subterfúgio que acaba livrando o(s) acusado(s) de qualquer pena.

Consagrada na política, a expressão, porém, foi criada por um jornalista esportivo da Gazeta Esportiva, na década de 1960. O finado Milton Peruzzi, um dos integrantes do tradicionalíssimo Mesa Redonda, cobria uma enorme crise no Palmeiras – curiosamente, também time de seu coração – envolvendo finanças e diversas alas políticas.

Peruzzi se mandou para o Parque Antártica, a fim de cobrir a polêmica reunião, que durou horas e horas e teve ânimos muito exaltados, com a missão de fornecer a manchete para a primeira página do jornal. No limite do prazo para a montagem da Gazeta Esportiva, por volta das onze horas da noite, eis que saem os dois grupos políticos em paz (e esfomeados, claro), divulgando aos jornalistas que haviam chegado a um acordo político e iriam celebrar comendo uma pizza nos arredores do Palmeiras. Peruzzi foi gentilmente convidado para o jantar, pelo bom trânsito que tinha dentro do clube.

Ao receber a ligação de seu editor, poucos minutos depois, e ser indagado sobre o desfecho da reunião, ocorreu ao jornalista responder que a tensa disputa “acabou em pizza”, dando origem à famosa expressão. Você pode ouvir a história completa, contada pelo próprio Peruzzi em entrevista ao Milton Neves em 1997, aqui.

Da criação e dos objetivos das CPIs

Pois bem: “acabar em pizza” é uma das possibilidades quando se instaura uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. Instrumento de prerrogativa do Poder Legislativo, uma CPI tem como finalidade apurar fato determinado (especificando qual o escopo da comissão) e investigar denúncias de irregularidades contra a administração pública – podendo ocorrer no âmbito federal, estadual e municipal, sob tutela das respectivas instâncias legislativas.

Segundo a Constituição Federal de 1988, as CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, que, na prática, significa que essas comissões têm acesso aos mesmos poderes que a Polícia Federal e Polícia Civil, por exemplo. Ao final dos trabalhos da comissão, é apresentado um relatório final e, a partir daí, dá-se o encaminhamento julgado mais pertinente: caso a CPI aponte para a necessidade de criação de uma nova lei, o relatório vai para a Mesa Diretora das Casas; se é denotada a prática de algum crime, o relatório é encaminhado para o Ministério Público; se há provas de cometimento de infrações administrativas na administração pública, esse relatório é repassado ao Executivo.

No âmbito federal, para ser criada, uma CPI precisa da assinatura de, no mínimo, ⅓ dos membros uma das Casas Legislativas. Caso seja instaurada pelo Congresso Nacional, são necessários ⅓ das assinaturas de deputados e de senadores – formando-se, assim, uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI).

Na Câmara dos Deputados, o prazo máximo para os trabalhos de uma CPI é de 180 dias (120 dias iniciais e opção de prorrogação por mais 60 dias). Já no Senado Federal, o regimento estabelece que uma CPI deve finalizar seus trabalhos dentro da legislatura em que foi instaurada – ou seja, nos quatro anos entre as eleições presidenciais.

História da CPI

 Em termos legais, a Comissão Parlamentar de Inquérito surgiu com a Constituição de 1934, no primeiro governo Vargas, mas logo foi retirada do arcabouço legal, com o advento do Estado Novo e promulgação de nova Constituição, em 1937. Esse tipo de comissão foi voltar a ser prevista somente em 1946, com o primeiro processo de redemocratização da 4ª República. Aliás, a primeira CPI data dessa época e teve como objetivo investigar os atos ditatoriais de Getúlio Vargas, mas não teve conclusão nenhuma.

Segundo registros de historiadores ligados à Câmara e ao Senado Federal, de 1945 a 1955, 52 das primeiras 80 CPIs tiveram o mesmo desfecho: nenhuma conclusão concreta, fazendo coro ao famoso jargão “acabou em pizza”. Com o advento da ditadura militar, pouquíssimas CPIs foram instaladas.

Desse modo, tal instrumento do Poder Legislativo somente começou a ganhar força com a CF/1988, com alguns episódios decisivos para a política nos últimos 30 anos. Comentarei, a seguir, cinco CPIs importantes para a história do Brasil:

CPI do PC Farias (1992)

Primeira CPI (que foi, na verdade, uma Comissão Mista) de peso após a promulgação da nova Carta Magna brasileira. A comissão investigou um esquema amplo de corrupção envolvendo o empresário Paulo César Farias, que havia sido tesoureiro do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello.

Denunciado pelo seu irmão, Pedro Collor, o presidente viu a CPMI descobrir uma série de empresas fantasmas, venda de favores e priorização de empresas específicas em obras públicas, além de uso do dinheiro ilegal para pagamento das contas de despesas pessoais do próprio Collor. Da comissão, surgiu o pedido de impeachment contra Collor, aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro de 1992. Em 1996, PC Farias foi encontrado morto juntamente com sua namorada, Suzana Marcolino, em um dos casos inconclusos mais famosos do Brasil – suspeita-se de queima de arquivo.

CPI dos Anões do Orçamento (1993)

No ano seguinte, foi instalada a CPI dos Anões do Orçamento, nome dado a um grupo, de pouca relevância política, de congressistas brasileiros que, no final dos anos 80 e início dos anos 90, fraudou recursos do Orçamento da União.

A comissão investigou o desvio de dinheiro do Orçamento feito por meio da manipulação de emendas parlamentares, e o relatório final apontou para montantes roubados acima da casa dos R$ 100 milhões para favorecer governadores, ministros, senadores e deputados. Do pedido de cassação de 18 parlamentares apresentado pelo relator Roberto Magalhães (PFL-PE), seis levaram à perda de mandato e oito não tiveram êxito, com a absolvição dos políticos. Outros quatro parlamentares renunciaram antes de serem cassados, entre eles o principal operador do esquema, o deputado João Alves de Almeida (PFL-BA).

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CPI do Judiciário (1999)

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário foi instaurada em abril de 1999 e teve como objetivo apurar as denúncias de irregularidades praticadas por integrantes de tribunais superiores, tribunais regionais e tribunais de Justiça do País.

A CPI ficou famosa por desvendar a ligação do senador Luiz Estevão (MDB-DF) com o juiz classista e ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Nicolau dos Santos Neto (ou “Lalau”, como foi apelidado). Foram descobertos desvios de R$ 169 milhões na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, levando à cassação do senador, ao fim da figura do juiz classista e à criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

CPI do Banestado (2003)

A CPMI do Banestado, ou CPMI de Evasão de Divisas, foi criada em junho de 2003 para investigar as responsabilidades sobre os registros de evasão de divisas do Brasil para paraísos fiscais ocorridos entre 1996 e 2002. Segundo estimativas, foram enviados pelo Banco do Estado do Paraná (Banestado) cerca de R$ 30 bilhões ao exterior, totalizando, entre outros bancos, um montante de R$ 150 bilhões, aproximadamente, em transações ilegais.

A CPI foi uma das mais extensas da história do Legislativo, requisitando quebra de sigilo de mais de 1.700 contas bancárias e ligando mais de 200 pessoas no esquema de evasão de dinheiro. Ao cabo, essa foi uma das CPIs que “terminou em pizza”: o relator da comissão, deputado José Mentor (PT-SP), sugeriu o indiciamento de 91 pessoas – incluindo o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, o empresário fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, e o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco – pelo envio irregular de dinheiro a paraísos fiscais após um ano e meio de investigações, mas o relatório nunca foi votado pelos integrantes da CPI.

CPI dos Correios (2005)

Uma das comissões mais famosas, a CPMI dos Correios, criada em junho de 2005, tinha como objetivo inicial investigar supostas irregularidades e ilicitudes na estatal após a divulgação de uma fita de vídeo em que o ex-diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, detalha a dois empresários um esquema de pagamento de propina dirigido pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ).

Dessa fase inicial de investigações, eclodiu o escândalo do Mensalão – esquema de compra de votos que ameaçou derrubar o governo Lula no fim de seu primeiro mandato. Em entrevista a um jornal de grande porte, Roberto Jefferson detalhou o esquema de corrupção do governo e acabou mudando os rumos da CPI dos Correios, levando à conclusão, em 2006, e aprovação de um relatório posteriormente enviado ao Ministério Público. O material serviu de apoio para a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra uma série de políticos e a cassação de alguns mandatos no Congresso, entre eles de José Dirceu (PT) e o próprio Roberto Jefferson.

CPI da Covid-19

Desde meados de 2014 e 2015, não se ouve falar muito em CPIs no Planalto Central. Após a CPI da Petrobras, que investigou irregularidades na estatal e na compra da refinaria de Pasadena (Califórnia-EUA), e a CPI do Futebol (2015), a qual ganhou mais destaque devido à Copa do Mundo de 2014 no Brasil, as comissões ficaram em segundo plano.

Depois de cerca de seis anos, porém, a sigla vai voltar para os noticiários brasileiros. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão monocrática do ministro Barroso e posterior confirmação por maioria da Corte na última quarta-feira (14), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), leu, no meio da semana, em sessão plenária da Casa Legislativa, o requerimento que cria a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia de Covid-19.

Pressionado pelos seus pares, o presidente do Senado unificou os dois pedidos de CPI que tramitavam na Casa – o primeiro, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), e o segundo, do senador Eduardo Girão (PODEMOS-CE) – com o intuito de ampliar o escopo das investigações para os estados e os municípios. O foco nos entes subnacionais era um desejo de Bolsonaro e da base governista, mas ele tem limitações apenas à transferência das verbas federais aos outros âmbitos da Federação, sob pena de usurpação de competência das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, como bem aponta a Constituição de 1988.

Na prática, contudo, essa ampliação das investigações deve criar um ambiente ainda mais tenso na comissão, com alguns senadores já indicando que os trabalhos devem, inevitavelmente, recair sobre administrações estaduais e municipais. A tarefa de manter o foco inicial da CPI caberá ao presidente e ao relator do colegiado, ainda indefinidos pelos seus integrantes.

Muito provavelmente, as onze cadeiras da comissão serão ocupadas da seguinte forma, seguindo bloco partidário e proporcionalmente ao tamanho da bancada: senadores Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (REDE-AP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Eduardo Girão (PODEMOS-CE), Renan Calheiros (MDB-AL), Eduardo Braga (MDB-AM), Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC). Nesse contexto, a composição é mais desfavorável ao governo federal, com apenas 4 dos 11 senadores tendo alguma identificação mais nítida com a base aliada: Ciro Nogueira, Marcos Rogério, Eduardo Girão e Jorginho Mello.

Nos últimos dias, estão sendo fechados acordos para a definição do presidente e do relator. O MDB, por ser a maior bancada do Senado, deve ocupar a relatoria da CPI com Renan Calheiros – notícia negativa para o Executivo, que vai concentrando seus esforços para equilibrar o jogo ao promover o nome de Omar Aziz, nome mais independente, para a presidência do colegiado.

Com o escopo ampliado, mas minoria na CPI, o governo federal terá um grande desafio para sair totalmente ileso da comissão, do ponto de vista político. Líderes do Executivo nas Casas já recorrem a recursos para postergar ao máximo o início dos trabalhos e, principalmente, para evitar que os dois cargos de destaque fiquem com parlamentares desafetos do governo. O objetivo, nesse caso, é fazer o máximo para que essa CPI “acabe na famosa pizza.”

Quer aprofundar mais seus conhecimentos em assuntos como mercado e política? Então leia minha última coluna: O filme e o retrato: entendendo melhor as pesquisas | Política sem Aspas.

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