A depender da abordagem utilizada, o universo da ciência política costuma dialogar fortemente com a ciência econômica, e vice-versa. Temas como análise de instituições e processos, teoria dos jogos, elaboração e implementação de políticas públicas, entre outros, são exemplos dessa intersecção acadêmica.
Em 1972, o economista Kenneth Arrow venceu o prêmio Nobel de economia por formular o teorema da impossibilidade, em que se conclui ser impossível que a ordem de preferência coletiva – em um sistema de votação que atenda a critérios desejáveis – seja o agregado de ordens de preferências individuais.
O economista estadunidense elencou os seguintes critérios pelos quais sua teoria se confirmava – e, na ausência de um deles, seria perfeitamente possível que as escolhas individuais somadas acarretassem a mesma escolha coletiva.
Todos eles dizem respeito ao sistema de votação, sendo: a) não ditatorial, considerando as preferências de múltiplos participantes; b) de domínio irrestrito, em que todas as preferências devem ser permitidas; e c) unânime, admitindo que o resultado da preferência dos participantes envolve a sobreposição de uma alternativa à outra.
O principal desafio daqueles que desejam representar uma população na esfera política é, portanto, antecipar o desfecho da eleição – envolvendo a escolha coletiva e, mais que isso, se colocando em posição de destaque quando em comparação com os outros candidatos. Certamente, esse é um jogo fundamentado em estratégias racionais – a ver as pesquisas eleitorais, trackings internos de campanhas e outros instrumentos de mensuração das preferências do eleitorado – mas também carrega, intrinsecamente, um componente forte de abstração, tornando eleições muitas vezes imprevisíveis e surpreendentes.
Quando olhamos para as eleições presidenciais de 2022, no Brasil, conjecturamos um cenário disposto entre Jair Bolsonaro – atual presidente e candidato à reeleição –, no espectro político mais à direita, o ex-presidente Lula, ocupando a esquerda, e um ou mais candidatos do centro político, que busca se colocar como uma terceira via (em referência à Tony Blair, primeiro-ministro britânico e ao presidente dos EUA, Bill Clinton, que buscaram reunir correntes ideológicas, liberalismo e socialdemocracia, supostamente antagônicas).
No artigo de hoje, vamos nos debruçar sobre as reais condições de se arquitetar uma alternativa de terceira via competitiva, quais são os nomes ventilados para representar essa força frente ao bolsonarismo e ao petismo, e as dificuldades eleitorais impostas, dada a atual conjuntura política brasileira.
Golpes dolorosos
Em primeiro lugar, é bom pontuar as desistências de dois nomes de peso deste grupo político: João Amoêdo, do Partido Novo, e Luciano Huck, apresentador sem ligação partidária, mas cobiçado por muitos caciques.
O primeiro aceitou ser o pré-candidato do partido, mas, dias depois, se retirou do jogo político alegando falta de unidade no Novo e ausência de um posicionamento transparente, firme e célere da sigla. De fato, o Novo tem passado por turbulências internas, à medida que parte de seus integrantes (Amoêdo, inclusive) engrossou o coro pelo impeachment do presidente Bolsonaro enquanto outra parte prefere seguir independente ao governo, mas frequentemente apoia projetos enviados pelo Executivo. Nesse contexto, a bancada federal do partido no Congresso Nacional acabou não chancelando a pré-candidatura do empresário carioca e deve promover o nome do parlamentar mineiro, Tiago Mitraud, para o pleito de 2022.
No segundo caso, Luciano Huck tem flertado com a política desde meados de 2014 mas nunca, efetivamente, deu o passo definitivo para a corrida presidencial. Há, nas entrelinhas, um recado claro do apresentador: ele só entraria na disputa caso tivesse chances reais de vencê-la; caso contrário, não seria proveitoso se queimar no âmbito político de modo precoce. Ajudou, ainda, a desistência de Huck o fato da Rede Globo, empresa para a qual ele trabalha há anos, carecer de um nome de peso para substituir o apresentador Faustão, que recentemente fechou contrato com outra emissora – a Rede Bandeirantes de Televisão.
Ocorre que muitas legendas de centro-direita e centro-esquerda, como PSB, MDB, PSD e DEM, flertavam com a candidatura de Luciano Huck – em função de seus posicionamentos liberais na economia, mas seu background social e preocupação com justiça e bem-estar. Tal construção poderia legitimar a terceira via, resgatando pontos dos dois lados do espectro político. A prática, contudo, se fez distante da teoria, visto que as melhores pesquisas de intenção de voto conferiam apenas 4% ao apresentador, nos cenários de voto espontâneo.
Ao mesmo tempo, interlocutores dos partidos e mesmo aqueles mais próximos de Luciano Huck sabiam que não haveria a possibilidade de candidatura sem uma resposta mais contundente nas pesquisas. Curiosamente, um candidato de fora da política pode não ter espaço em 2022 e a demora em eleger uma alternativa demonstra que legendas tradicionais ainda não tiveram sucesso em construir um nome que já conhece Brasília.
Correndo atrás do prejuízo
Diante de problemas internos de partidos e a necessidade de procurar, do zero, um novo candidato que possa juntar as forças do centro político e, minimamente, criar fôlego para disputar uma vaga no segundo turno, partidos como o MDB, o DEM e o PSD se voltam para as discussões internas, a fim de viabilizar um nome o mais breve possível. Entre as opções, são ventilados – respectivamente em cada partido – políticos como Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), Simone Tebet (MDB-MS) e o próprio Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que recentemente foi sondado pelo partido do ex-ministro Gilberto Kassab.
Nos bastidores, o diagnóstico é pessimista, mas não lançar um candidato forçaria as legendas a declararem apoio antecipado a um dos dois grandes concorrentes: Lula ou Bolsonaro. Do lado do atual presidente, já existem apoios do PP, PL e do Republicanos; do outro lado, com o petista, estão siglas como PSB, PSOL e PCdoB. Esta primeira sigla da esquerda, inclusive, tem tido êxito em filiar nomes de peso da esquerda, como o governador do Maranhão, Flávio Dino, e o pré-candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo.
Dos partidos que já buscam construir uma terceira via própria, podemos citar o PDT, com o presidenciável Ciro Gomes (CE), e o PSDB, que ainda vai passar pelo processo interno de prévias eleitorais, mas tem na mesa nomes como João Doria (SP), Eduardo Leite (RS), Tasso Jereissati (CE) e Arthur Virgílio (AM). Os tucanos, porém, permanecem rachados entre si, com recentes mudanças no processo de escolha do presidente dentro do partido e uma forte oposição ao nome de Doria, da ala ligada a Aécio Neves (MG) – ainda muito influente no diretório nacional.
E o mercado com isso?
Até agora, o empresariado, corretamente, não consegue vislumbrar um nome forte o suficiente para desbancar Bolsonaro ou Lula. A grande oportunidade perpassa por uma união inédita entre grandes caciques da política – cenário que, a cada dia que passa, torna-se mais e mais improvável. Vale lembrar que, em 2018, apesar de um contexto político bastante distinto, tivemos 13 candidatos concorrendo ao Palácio do Planalto. Dessa forma, é bastante improvável que o número de presidenciáveis em 2022 gire em torno de 4 ou 5 alternativas, pressupondo que uma delas representaria essa coalizão política centrista e de caráter amplo.
Reservadamente, outras siglas de menor porte, como o Solidariedade, o Cidadania e o Podemos, já admitem como nula a possibilidade de uma união maior das forças de centro em torno de um só nome. Como declarou, recentemente, o deputado Paulinho da Força, um dos caciques do Solidariedade, o jogo entre partidos desse espectro não passa de uma “tentativa de um ganhar o outro”.
Outro nome relevante do cenário político nacional, Flávio Dino compartilha do mesmo diagnóstico – em que pese sua inclinação ao ex-presidente Lula, o governador tem bom trânsito com o centro político. Segundo ele, para que uma terceira via consiga espaço teria de haver um enfraquecimento político de Bolsonaro e a tendência é justamente contrária.
Sendo assim, o cenário de polarização deve engolir os candidatos à presidência que se identificam com posições políticas mais moderadas. Até por isso, estrategicamente, ele e o PSB devem se aproximar do candidato do PT.
Tais teses têm sustento na larga experiência em Brasília de ambos os seus disseminadores, mas também pode ser exemplificada por meio de uma matemática simplificada. Usando como base as recentes pesquisas de avaliação de governo, uma estimativa conservadora de votos para Bolsonaro no primeiro turno ficaria na casa dos 30-35% dos votos válidos. Ao mesmo tempo, nas pesquisas eleitorais estimuladas, ainda que haja um longo caminho a ser percorrido, o ex-presidente Lula já angaria entre 25% e 30% da preferência dos brasileiros.
Em outras palavras, um candidato de centro teria de alcançar entre 25% e 35%, a depender do desempenho dos dois nomes acima, para ao menos chegar ao segundo turno em 2022. Isto, claro, se não tivéssemos nenhum outro espólio de votos – ou seja, não havendo nenhum outro (ou outros) candidato(s) à Presidência que, eventualmente, furtaria(m) aqueles 2% ou 3% ou 4% dos votos válidos. Uma tarefa deveras complicada para o centro político.
Nesse contexto, o mercado já precifica, de certa forma – e também é o nosso cenário, na Levante –, um embate restrito ao atual presidente e ao ex-presidente. Muito provavelmente, a preferência dos investidores (e, portanto, os reflexos sentidos nos ativos financeiros) deve permanecer com a gestão Bolsonaro, que – apesar de algum descontentamento em outras áreas e até mesmo com o próprio presidente – tem em Paulo Guedes e sua equipe econômica um voto de confiança bastante sólido. As máximas do teorema de impossibilidade de Arrow, contudo, deixam 2022 ainda nebuloso, no que será um dos pleitos mais importantes desde a redemocratização brasileira.
—