No início do ano, elaborei um compilado (interno) com as principais projeções sobre a aprovação de pautas políticas que poderiam impactar positivamente o mercado financeiro. Na ocasião, elenquei projetos como a reforma tributária, a reforma administrativa, as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) do Plano Mais Brasil, a privatização da Eletrobras, o Projeto de Lei sobre autonomia do Banco Central (BC) e o Projeto de Lei do saneamento básico.
Antes do coronavírus, as projeções apontavam para uma reforma tributária aprovada ainda em 2020, ficando a reforma administrativa somente para 2021 – por conta, principalmente, do calendário eleitoral do segundo semestre e pela opção dos Poderes em priorizar a tributária. Ainda, como a equipe econômica vinha trabalhando de maneira eficiente, era esperado que duas das três PECs do Plano Mais Brasil (PEC dos Fundos Públicos e PEC Emergencial) fossem aprovadas ainda no primeiro semestre deste ano.
Da agenda mais micro, projetei que o novo marco do saneamento seria resolvido também nos primeiros seis meses de 2020, assim como a autonomia do Banco Central. Enquanto o primeiro PL foi aprovado e aguarda sanção presidencial, o segundo quase foi à votação, mas acabou esbarrando em divergências no texto. Com a chegada da Covid-19, porém, quase todas as previsões tiveram de ser revistas.
Digo quase todas porque, no caso da Eletrobrás, sempre fui cauteloso com a agenda de privatizações. Por isso, não havia definido uma data específica para sua aprovação. Isto significa que não acredito nessa possibilidade? Não. Apenas que o processo está em estágio tão inicial que qualquer tipo de projeção neste momento seria mera futurologia.
Nesta última semana, a equipe econômica voltou a negociar com deputados o andamento do PL que prevê a desestatização da gigante brasileira de energia. Para tanto, Guedes e sua equipe sinalizaram que estão dispostos a destinar uma parte maior dos recursos para evitar aumentos na conta de luz – condição inegociável entre senadores e deputados. Outras medidas também vêm sendo colocadas à mesa, como o ressurgimento de uma golden share – ação de classe especial que daria ao governo alguns direitos de veto – e a criação de um fundo para investimentos na região Norte.
O movimento é certamente positivo, mas, novamente, reitero: o PL sequer tem relator designado na Câmara dos Deputados e enfrenta especial resistência no Senado Federal. Ambos os presidentes das casas legislativas não colocam a mão no fogo pela aprovação; Maia acredita que a possibilidade é baixa e Alcolumbre já afirmou que há maioria contrária formada no Senado. Se é cedo para falar de datas, também não é possível descartar uma eventual privatização. Por isso, é justo colocar que, se ela vier a ocorrer, será no fim deste mandato presidencial – em 2020, a chance é quase nula.
Em relação às outras pautas, algumas ficaram pelo caminho. Com o novo cenário fiscal, decorrente do coronavírus, o Planalto oficialmente abandonou a PEC Emergencial e deve reformular sua proposta de Pacto Federativo – este, portanto, fica sem data para aprovação por enquanto. A mais resiliente das três PECs do Plano Mais Brasil inicial é a PEC dos Fundos Públicos, que deve ter sua tramitação retomada em meados de agosto, podendo ser aprovada até o fim deste ano. Apesar de já ter sido desidratada, a PEC seria uma vitória no âmbito fiscal.
A autonomia do Banco Central, muito cobiçada no início do ano, também deve ficar na fila, atrás de projetos como a nova lei para o setor de gás e a Lei das Falências. A depender do andar da carruagem, é possível que a autonomia seja aprovada ainda em 2020. No mais tardar, em 2021, já que o texto agrada a todas as partes e, ademais, um trabalho autônomo e independente do BC, hoje, já acontece na prática.
Por fim, as pautas mais sensíveis ao mercado: a reforma tributária e a reforma administrativa. A primeira, na verdade, consiste em “reformas”, já que existem dois textos diferentes (mas parecidos) tramitando no Congresso. E mais: o Planalto deve enviar alguns apêndices nas próximas semanas. Uma reforma do nosso sistema tributário é bem vista por todos, mas as discordâncias se dão no “como” fazê-la. Com apoio de nomes de peso, como Guedes, Bolsonaro, Rodrigo Maia e outros líderes partidários, os ventos sopram a favor da tramitação desta pauta neste segundo semestre – as discussões devem ser retomadas já nesta próxima semana.
Em um cenário-base, considerando-se o tempo de tramitação de uma PEC e as negociações e ajustes a serem feitos no texto, uma reforma tributária poderia ser aprovada na Câmara ainda em 2020, sendo, assim, chancelada no início de 2021 pelo Senado Federal. É preciso cuidar da pauta com atenção e construir um texto que realmente seja plausível, não esbarrando em ideias pouco aceitas no Congresso – como, por exemplo, a volta de um imposto nos moldes da antiga CPMF.
Ao contrário do caso da tributária, o governo ainda não enviou texto e não consegue chegar a consensos – mesmo internamente. O Congresso também tem ressalvas (ainda mais em ano de eleições municipais). Então, como se vê, a discussão deve ser bastante enrolada. Nesse sentido, não mudamos a nossa visão: a pauta deve ser ofuscada no ano que vem, infelizmente, e pode ter sua aprovação somente no fim de 2021.
É evidente que, em um contexto ideal, todos os projetos e intenções dessa agenda reformista seriam concretizados. Sabemos, contudo, que a realidade muitas vezes se mostra adversa. Assim, escolhas precisam ser feitas. O lado positivo é que falar de reformas no Brasil, hoje em dia, parece cada vez menos um tabu – com as cartas certas na mão, o Executivo pode trazer grandes mudanças para o futuro da economia brasileira.
Um abraço,
Felipe Berenguer
[email protected].