Leitores e leitoras,
Que semana! Quem diria que, depois de muita confusão envolvendo a prisão do deputado Daniel Silveira, teríamos mais sinais negativos vindos de Brasília. Talvez, nem o mais pessimista acreditasse que Bolsonaro pudesse dar a “canetada” que deu ao decidir, unilateralmente, pela virtual demissão – leia-se, não renovação de mandato – do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.
Seja dito de passagem, menção honrosa ao economista e PhD pela Universidade de Chicago durante esses seus dois anos à frente da gigante petroleira. Como mostraram os resultados do quarto trimestre de 2020 da companhia, Castello Branco desempenhou um excelente papel na Petrobras, deixando claro que é possível, sim, gerir uma estatal com eficiência e seriedade
Ou melhor, dá desde que não se intervenha na companhia. Agora, o preço das ações tem refletido a incerteza sobre o próximo comando da estatal, a ser realizado pelo general Luna e Silva a partir do início de abril. O governo até tentou acenar para o mercado, enviando novas propostas de desestatização dos Correios e da Eletrobras – nesse caso, a ideia é perder o controle majoritário da companhia via oferta secundária de ações, da qual o governo e o BNDES ficariam de fora. Parece que os gestos não animaram muito os investidores, mais preocupados com questões mais urgentes, como a PEC Emergencial e o futuro dos preços dos combustíveis.
Aliás, sem mais delongas, vamos ao tema principal do texto: afinal, a Eletrobras será privatizada?
Quem acompanha a Levante desde o início sabe da nossa postura fortemente cautelosa quando o tema é privatizações de empresas-mãe – classe que precisa de aval do Congresso para ser vendida, seja por meio da alienação total do controle da União ou diluição da participação no quadro societário, perdendo a condição de sócia majoritária. No caso da Eletrobras, o desejo de venda da estatal é debatido com maior força, e sem êxito, desde o governo Temer.
Eis que o presidente Jair Bolsonaro entregou, na última terça-feira (23), pessoalmente, a Medida Provisória 1.031/2021, que trata da capitalização da Eletrobras (ELET3/ELET6). Ao entregar a MP para os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Bolsonaro fez questão de reiterar que a agenda de privatizações do governo continua “a todo vapor” e que acredita que as Casas tramitarão a matéria com celeridade. Os presidentes do Legislativo prometeram dar atenção à MP, com Lira afirmando que dará início ao processo já na semana que vem e com Pacheco reforçando que o Congresso deve fazer as modificações que julgar necessárias.
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Vale observar, entretanto, que o texto da MP é bastante parecido com o PL 5877/2019, enviado anteriormente pelo Executivo e cuja tramitação não ocorreu por questões políticas. Existem, contudo, algumas mudanças: a prorrogação por 30 anos da concessão da hidrelétrica de Tucuruí; a obrigação de aportes de um montante (R$ 230 milhões, em dez anos) para a revitalização dos recursos hídricos nas áreas de usinas hidrelétricas de Furnas; obrigação de aportes de R$ 295 milhões para reduzir os custos de geração de energia na Amazônia Legal; obrigação de aportes de R$ 3,5 bilhões, também em dez anos, para revitalizar a bacia do Rio São Francisco; e uma nova repartição de receita entre a União e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Ainda, a ideia do governo é criar uma classe especial de ações preferenciais (golden shares), de propriedade exclusiva da União, para conferir poder de veto em algumas deliberações sociais especialmente ligadas aos projetos supracitados.
Sendo pragmático, a verdade é que estamos, novamente, no processo de discussão acerca da Eletrobras, e a entrega de um novo documento somente foi uma forma de reabrir o projeto. Nada está garantido, explico o porquê:
Segundo o ministério de Minas e Energia, a modelagem da desestatização já poderá ser realizada enquanto o Congresso discute a MP, já que os estudos levam, em média, cerca de oito meses para conclusão. Isso quer dizer que, no momento, serão retomados os trabalhos para definir como se dará essa oferta secundária – que envolve bancos, escritórios de advocacia e tantos outros agentes.
Se datarmos oito meses a partir deste fim de semana – e consideramos que a MP será aprovada no Congresso a tempo –, a desestatização ocorreria em meados de novembro. Aliás, segundo o próprio secretário de desestatização do ministério da Economia, Diogo Mac Cord, as expectativas para o processo apontam para dezembro. O próprio secretário afirmou, porém, que qualquer contratempo jurídico já poderia atrasar o calendário, ficando para 2022 a diluição da participação do governo na estatal. Na imagem abaixo, retirada da mais recente apresentação da secretaria do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), pode-se observar a previsão de conclusão dos processos:
Passamos agora para o fator político: atualmente, existem outras 25 Medidas Provisórias que têm preferência sobre a MP da Eletrobras na fila. O prazo oficial de tramitação das MPs até que elas percam validade é de 60 dias, prorrogáveis por igual período. Nesse caso, a venda do controle da empresa por meio de diluição em uma oferta secundária de ações somente ocorreria após a conversão da MP em lei.
A MP expirando, o processo trava novamente. No entanto, o início do ano carrega outras prioridades no Congresso, como as próprias reformas administrativa e tributária, as PECs Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos, além de outros temas não relacionados à economia.
Evidentemente, o envio da MP 1.031/21 para o Congresso tem impacto positivo nas ações da estatal do setor de energia, como pudemos observar no pregão desta terça (23) e cuja tendência deve seguir no curto prazo. Alerta-se, contudo, para a possibilidade de vencimento da MP no Congresso devido à delicadeza do tema – que precisa de maioria simples nas duas Casas para ser aprovado.
Para resumir, a resistência ao tema continua grande – em que pese as contrapartidas inseridas no texto para financiar projetos no Norte e Nordeste do Brasil –, o tempo é escasso, há outras prioridades e, mesmo com tudo isso sendo superado, o processo pode travar na Justiça brasileira.
Nesse sentido, respondendo à pergunta: a Eletrobras será privatizada sim, mas a probabilidade desse processo de diluição da participação do governo ocorrer ainda em 2021 é bastante pequena. Em 2022, ano eleitoral, ela é menor ainda. A conjuntura aponta, portanto, para uma conclusão de todo esse trâmite em meados de 2023 – a depender do próximo presidente –, mas em um novo primeiro ano de mandato presidencial, momento tradicionalmente oportuno para medidas consideradas mais impopulares. Tendo isso em vista, investidor, muito cuidado em comprar ações da Eletrobras somente pensando no case de privatização.