Importante livro na história do pensamento militar, “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu – um general do estado de Wu, na China, que nasceu e viveu por volta do século V Antes de Cristo –, é muitas vezes utilizado como referência para construir estratégias em diversos processos de tomada de decisão.
Nos seis primeiros capítulos do livro, por exemplo, Sun Tzu aborda aspectos desta natureza – desde o estabelecimento de planos, passando por disposições táticas e o uso da energia, até o mapeamento de pontos fortes e fracos. Afinal, um campo de batalha é também um grande tabuleiro de xadrez. E a política, assim como a guerra (e o xadrez), é um jogo de estratégia.
É comum, nesse sentido, parte dos atores políticos nortearem suas estratégias de atuação com base em ensinamentos militares. Por exemplo, da mesma forma em que ocorrem recuos em batalhas campais, com o intuito de preservar força de combate e evitar uma derrota completa, no mundo político existem recuos estratégicos, visando objetivos maiores dentro de um quadro mais amplo.
Nesta conturbada semana, vimos, em Brasília, o presidente Bolsonaro “esticar a corda” mais uma vez e, apenas dois dias depois, recuar de sua decisão. Nesse caso, o que não é comum, entretanto, é que a decisão de pacificar os ânimos foi tomada por um terceiro – o ex-presidente Michel Temer –, demonstrando que: ou o atual presidente cometeu um erro estratégico grosseiro, ou ele sequer tem capacidade de leitura sobre as batalhas que se desenrolam em Brasília.
Se as manifestações do dia da Independência saíram completamente conforme o nosso roteiro indicava, ao mesmo tempo, os efeitos imediatamente posteriores foram de forte reação do Legislativo e Judiciário. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, criticaram as falas de Bolsonaro no 7 de setembro – o segundo, inclusive, em uma das mais duras notas que um magistrado do Supremo já escreveu. Arthur Lira, presidente da Câmara, contemporizou, mas sem deixar de mencionar que a desarmonia entre Poderes é prejudicial a todos.
Fato é que o resultado do feriado foi o aprofundamento da crise político-institucional entre o Supremo Tribunal Federal e o Executivo e, na prática, total paralisação da agenda governamental no Congresso. Os primeiros efeitos repercutiram muito negativamente no mercado financeiro, em meio às notícias de que todas as pautas reformistas estariam virtualmente enterradas e a questão dos precatórios não avançaria por meio de acordo entre os três Poderes.
Houve alertas feitos pelos principais articuladores políticos do Planalto sobre os riscos da má-relação entre Poderes e também avisos de líderes partidários de que, dada a conjuntura, ficaria mais difícil conter a pressão pelo avanço de pedidos de impeachment do presidente.
Nesse contexto, apenas dois dias após as manifestações, Bolsonaro recuou dos seus ataques ao Judiciário e divulgou nota sugerindo o apaziguamento entre Poderes. Intitulado de “Declaração à Nação”, o documento afirmou que o Presidente da República nunca teve a intenção de agredir quaisquer dos Poderes, que as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda” e que suas palavras recentes foram proferidas no calor do momento. Ainda, Bolsonaro reiterou o respeito pelas instituições da República e disse estar disposto a manter diálogo permanente com elas “pela manutenção da harmonia e independência entre os Poderes”.
Basicamente, uma postura 100% antagônica com o Bolsonaro que esteve presente em Brasília e em São Paulo e fez, especialmente na segunda capital, um discurso bastante inflamado. Há quem argumente que a assinatura da Declaração à Nação foi uma mera formalidade e que não há compromisso algum com o tom apregoado nos breves parágrafos. De fato, é possível imaginar o presidente vivendo um gigantesco dilema interno: conversar com suas bases e alimentar desejos autoritários – algo que sempre presente em toda sua trajetória política – ou jogar o jogo como ele deve ser jogado, sob pretexto de não se isolar nestes 15 meses restantes.
Por curiosidade, a carta veio a público após almoço com o ex-presidente Michel Temer e horas de conversas com ministros palacianos. Bolsonaro enviou um avião para São Paulo com o intuito de buscar o ex-presidente para a conversa – e foi Temer que redigiu um rascunho e sugeriu a publicação da declaração. O presidente sempre manteve conversas com o emedebista, mas o gesto recente é um “mea culpa” atestando sua incapacidade política.
O recuo repercutiu positivamente no ministério da Economia, que tem uma série de propostas em tramitação no Congresso, entre os presidentes das Casas Legislativas e no mercado financeiro, mas é sempre bom lembrar que Temer já gastou seu capital político nesta investida. Caso a tensão volte a subir por conta de Bolsonaro, nem mesmo o ex-presidente fará esforços, ainda que seja iluminado pelo melhor do espírito público, para contornar novamente a situação.
Não se sabe se o presidente leu ou não leu os ensinamentos de Sun Tzu. Por outro lado, ele, como ex-militar, tem a mania de enxergar conflitos como guerras e adversários como inimigos. Todo o imaginário em torno de sua figura perpassa o militarismo e demonstrações bélicas – da arminha feita com suas mãos aos discursos invocando fantasmas e pintando-os como os verdadeiros inimigos da nação. Recuar, para os bolsonaristas, foi visto como um gesto de fraqueza e covardia.
A Arte da Guerra é um excelente livro para absorver algumas reflexões sobre relações interpessoais, estratégias e objetivos. No entanto, está sob um contexto de conflito armado e por isso não se aplica a toda e qualquer situação cotidiana. Os maiores políticos da história são conhecidos pelos seus dons conciliadores e a dose precisa de pragmatismo e Bolsonaro já não deve entrar para esse seleto rol. Diferentemente de uma situação de guerra, onde a vitória de um significa a derrota (ou até a destruição) de outro, desta vez se o recuo for definitivo todos sairão ganhando.
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