Nessa semana mais curta, com feriado, e anúncio do arcabouço fiscal se imaginava um cenário mais tranquilo para o governo. Em vez disso, viveu um verdadeiro inferno astral.
Pra começar, a versão final do arcabouço ampliou incertezas quanto aos resultados, principalmente, por excluir mais despesas do limite dos gastos, além do Fundeb e do piso da enfermagem, anunciadas anteriormente. Além disso, não se prevê qualquer punição no caso de não cumprimento das regras, como o contingenciamento obrigatório de despesas, contrariando até a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem esquecer que as metas de ajuste das contas vão depender muito de se conseguir aumentar a arrecadação.
Nesse sentido já houve um primeiro revés, que foi a necessidade de o ministro Haddad voltar atrás na taxação de transações internacionais de pessoas físicas até US$ 50, para acabar com o drible dado pelas plataformas de comércio, especialmente chinesas. Seria uma primeira fonte de aumento de receita, mas a repercussão muito negativa, até nas redes sociais fez o presidente Lula optar por reverter a taxação. Há conversas com empresas, como a Shein, que promete ampliar investimentos e empregos no Brasil, se fala em taxação digitas apenas para empresas, sem afetar consumidores. Mas foi um bom exemplo de como lobbies podem dificultar o fim de isenções, que é uma das estratégias da área econômica para ampliar receita, tentando não passar a ideia de aumento da carga tributária.
Em relação ao arcabouço, a tramitação já começou. Artur Lyra, presidente da Câmara, promete discussões rápidas, inclusive porque quer avançar com a reforma tributária ainda neste semestre. Rodrigo Pacheco também promete aceleração no Senado. Só que o governo, que já vinha com dificuldades no Congresso para aprovação de MPs importantes, como do Bolsa Família, agora pode ter um novo entrave, que é a CPI dos atos golpistas. Possibilidade que ganhou força com as imagens do general Gonçalves Dias, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), já do atual governo, na invasão do Palácio do Planalto, em 8 de janeiro. Sem explicações mais convincentes, pediu demissão do cargo, mas deixou uma crise instalada. O governo diz que ele não havia repassado as imagens, alegando que a câmara do local estava quebrada. Só que agora até o governo não está mais resistindo à instalação da comissão para investigar todos os envolvidos na tentativa de golpe. Fora o risco de implicações de integrantes do governo, isso pode atrasar os trabalhos do Congresso, incluindo as discussões sobre o arcabouço.
Mas os problemas não pararam por aí. Ainda houve todo o desgaste de Lula, com os Estados Unidos e a Europa, pela proximidade com a China e a defesa de uma saída negociada para a guerra da Ucrânia, com ima postura bem controversa, de início responsabilizando o país pela guerra e por não tomar iniciativas, assim como a Rússia, para um entendimento. Parar com a guerra sem um acordo representaria uma rendição para a Ucrânia. Com as manifestações críticas de vários países, especialmente os Estados Unidos, o presidente acabou voltando atrás ao reconhecer que a Rússia não poderia ter invadido o território ucraniano. Isso depois de o chanceler russo, Serguei Lavrov, ter dito, em visita ao Itamaraty, em Brasília, que Brasil e Rússia têm “abordagens similares” em relação a questões atuais, incluindo a guerra. Foi um desgaste que compromete a expectativa favorável que o novo governo criou em relação à participação do Brasil nas grandes questões globais. A viagem de Lula a Portugal e Espanha e depois à reunião do G7 podem ser oportunidades para um reposicionamento menos polêmico.
Paralelamente, ainda se tem, no âmbito doméstico, as discussões sobre os juros. E o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deu a entender que é cedo para pensar em cortes, na medida em que a baixa da inflação em 12 meses ainda está contaminada por ações tomadas pelo governo anterior, na época das eleições, como o corte de tributos sobre combustíveis e energia, as projeções para o IPCA estão em alta, já na faixa dos 6% este ano, e a queda da inflação está sendo mais lenta do que se esperava diante do nível dos juros. Como disse, é preciso persistir na batalha, o que, na prática, se traduz em manter juros elevados.
No final das contas, o novo governo ainda não conseguiu definir um modelo econômico, um direcionamento mais claro para as políticas que pretende implementar. Tem boas iniciativas, como o anúncio do pacote de medidas para melhorar as garantias, ampliar e baratear o crédito, além de estimular as PPPs. O próprio arcabouço tentou estabelecer parâmetros fiscais, com metas de ajuste até ambiciosas. Mas nada disso dá confiança quanto às condições para colocar s economia nos trilhos de um crescimento sustentável, com estabilidade e a longo prazo. Enquanto isso seguimos com instabilidade nos mercados e indicações de desempenho mais fraco da economia.