A economia brasileira se mantém em recuperação, mas de forma desigual, o que indica uma retomada muito mais em K, com uma acentuada diferença entre vencedores e perdedores, do que em V, como insiste a equipe econômica.
Temos um desempenho positivo do agronegócio, que vem atravessando a pandemia sem solavancos, com exportações até favorecidas pela situação global, especialmente no comércio com a China.
Sem esquecer do impacto favorável do dólar mais alto e do consumo interno, assegurado por um aumento de compra da população mais pobre, beneficiada pelo auxílio emergencial.
O benefício concedido pelo governo permitiu ao comércio atingir um ritmo de vendas superior ao do começo do ano em segmentos específicos, como o de materiais de construção. ‘Presas’ em casa, as famílias se preocuparam mais com o bem estar, condições de trabalho e estudo. Situação que estimulou a demanda, também, por eletroeletrônicos e até móveis.
No embalo da reação de boa parte do comércio, o setor industrial também vem reagindo com maior intensidade, embora ainda tenha atrasos importantes, acumulados desde antes, incluindo a questão da competitividade, o que afeta o potencial de expansão das vendas externas. Manufaturados ainda dependem muito do ritmo da demanda doméstica para uma performance mais favorável.
Paralelamente, com os juros mais baixos do financiamento que, por outro lado, desestimularam os investimentos em renda fixa, o setor imobiliário conseguiu retomar com muita rapidez o bom desempenho que vinha exibindo antes da pandemia. Sendo que a quarentena também levou muita gente a rever as condições de moradia, a necessidade de mais espaço, por exemplo, ou de adquirir um imóvel mais afastando das cidades.
Nesse processo de retomada, quem ficou para trás foi o setor de serviços, que responde pela maior fatia do emprego e do PIB do País. Está em recuperação, mas ainda longe de retornar ao nível pré pandemia. Trata-se de um setor que já vinha com dificuldade para voltar ao ritmo anterior à recessão de 2015/2016. O atraso vem de mais tempo.
Essa observação, na verdade, vale para toda a economia. Poucos indicadores retornaram aos níveis de 2014. Tivemos, no pós recessão, expansões fracas do PIB, na faixa de 1% ao ano, com desemprego elevado, baixo nível de investimentos, dificuldade de atração de recursos.
Agora se prevê um tombo em torno de -5% para o fechamento do ano, com expansão de +3,5% em 2021. De novo uma reação insuficiente para repor perdas, que ainda vai depender de uma série de condições.
Há ainda um fator adicional. Qualquer projeção mais otimista está relacionada à capacidade de controle da contaminação e à continuidade da reabertura das atividades em todo o potencial. O atraso do setor de serviços é muito reflexo das restrições da retomada completa das atividades e do próprio receio da população com aglomerações. A nova onda da pandemia na Europa, com novos fechamentos, alerta para a possibilidade de só haver retomada mais contínua quando houver uma vacina contra o coronavírus, com aplicação em massa.
Como se fosse pouco, temos os nossos problemas de sempre, alguns agravados pela Covid 19. A relação é extensa: as contas públicas que só pioraram; as dificuldades para a retirada de estímulos, especialmente o auxílio emergencial, sem causar mais danos fiscais ou comprometer a atividade; o baixo nível de investimentos; a fuga de capitais externos; atraso nas reformas; o risco potencial de inflação mais pressionada pelo dólar mais alto e pela retomada da atividade; o provável avanço do desemprego; sem desconsiderar instabilidades que vêm de fora, com o mundo enfrentando desafios parecidos.
O Brasil deve continuar em recuperação. A dúvida é quanto ao ritmo e a qualidade, em um contexto dos mais desafiadores, onde indivíduos e empresas têm de se reinventar. Melhor não contar com a possibilidade de o País entrar em uma fase de expansão mais vigorosa, a ponto de embalar os negócios, como ondas ocorridas no passado.