As projeções para a economia brasileira estão tendo uma convergência maior após a divulgação do PIB do segundo trimestre e de vários indicadores setoriais, como da indústria e comércio. São dados que apontam para uma retomada até acelerada, em alguns aspectos, mas sobre uma base muito ruim, quando a atividade chegou ao fundo do poço. Março e abril foram os meses de maior impacto da pandemia e do isolamento social. Depois, até pela flexibilização gradual das atividades, além do reforço do auxílio emergencial, veio a reação que deve prosseguir daqui pra frente.
A questão é que esse cenário de retomada não basta para confiar na recomposição das perdas, de uma economia que já vinha de um movimento lento de reversão dos desarranjos acumulados na crise anterior e com algumas distorções preocupantes, como o desequilíbrio fiscal, baixo nível de investimentos e desemprego elevado. Já havia atraso na melhoria desses quesitos, o que só piorou, e muito, com a pandemia.
São alguns dos desafios que terão de ser superados para que o País entre em um ciclo sustentável de expansão a longo prazo. Sendo que esses quesitos têm uma certa ligação. Investimentos podem acontecer, gerando mais emprego, principalmente, se o governo conseguir garantir perspectivas efetivamente melhores para as finanças públicas. Sendo que, para estabelecer essa confiança, não basta uma proposta orçamentária que mostre respeito ao teto de gasto, por exemplo, ou uma reforma administrativa que sinalize maior eficiência e menos gastos desnecessários com a máquina pública, só que mais à frente. Há urgência em recados mais precisos das intenções nesse sentido.
Antes de mais nada, seria bom que houvesse um entendimento efetivo entre os poderes em torno do compromisso com o ajuste fiscal. Não adianta defender uma agenda reformista, depois vir com concessões, como a tentativa de permitir a prorrogação, sem compensação, da desoneração da folha; o perdão da dívida das igrejas ou a criação de programas, como o Renda Brasil, sem recursos compatíveis. Mesmo que esses sustos não se concretizem ou se concretizem apenas parcialmente, são discussões que trazem muita incerteza para quem quer investir no País. Da mesma forma, algumas posturas intervencionistas do governo podem afetar o potencial de investimentos, que devem se concretizar em função de novos marcos regulatórios, como do saneamento e do gás. As regras, em tese, podem estabvelecer um ambiente instituição mais seguro, só que sempre podem vir mudanças inesperadas, comprometendo as expectivas de retorno e concretização dos investimentos. Infelizmente, temos tradição em alterar as regras do jogo.
O Brasil tem um ótimo potencial, mas com muitas condicionantes, que mais parecem desperdício de oportunidades. Sempre chegamos perto, sem conseguir percorrer toda a estrada. E esse não é um problema apenas do atual governo ou das condições impostas pela pandemia.
Falta uma agenda econômica melhor estruturada e amarrada politicamente. A pandemia, claro, exigiu medidas emergenciais, que desviaram um pouco a rota. Mas era um rota que ainda devia um pouco mais de clareza. Pautas antigas e importantes estão sendo encaminhadas meio que como uma disputa entre os poderes, para ver quem mostra mais serviço, que, supostamente, é mais eficiente e pensa mais no bem do País. Os marcos regulatórios que avançam no Congresso são exemplo, assim como a recente postura desenvolvimentista de parte do governo ou a vocação para o social, enquanto as privatizações continuam travadas. A proposta de Reforma Administrativa foi desengavetada, de uma maneira bem timida, junto com uma pequena amostra do que a equipe econômica pretende para a Tributária, dando a entender que não queria ficar atrás da agenda reformista que boa parte dos parlamentares tenta levar adianta.
Por mais que essas iniciativas dêem a ideia de uma agenda pró desenvolvimento e, na prática, possam produzir bons resultados, ainda não oferecem segurança quanto aos grandes desafios no atual contexto macroeconômico, que envolvem ajuste fiscal, políticas de estímulo aos investimentos e à geração de emprego. A economia deve ter um tombo de pouco mais de 5% este ano – o mercado prevê, na média, queda de 5,31% do PIB, segundo o último relatório Focus – e pode crescer 3,5% no ano que vem. Parece bom. Mas não é, se não houver sustentação pra prosseguir com a expansão em prazo maior.
A atual agenda em andamento, mesmo que crie expectativa de mudanças para melhor, tem criado muita espuma e pouca base, ainda, para se confiar numa retomada que não passe da reposição de perdas. Continuamos num tabuleiro em que o Brasil caminha um pouco, depois retrocede várias casas, mas não consegue avançar pra ganhar o jogo.