O tradicional provérbio português “descobrir um santo para cobrir outro” ilustra aquelas situações em que a solução encontrada para um problema acaba criando outra dificuldade. Foi o que o governo fez na noite da segunda-feira (01). No dia 18 de fevereiro, na “live” em que criticou a Petrobras pelos aumentos na gasolina e no óleo diesel, o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma isenção “ad aeternum” do Pis e da Cofins sobre o gás de cozinha, e uma isenção temporária, nos meses de março e de abril, sobre o óleo diesel.
Desoneração fiscal custa dinheiro. Pelas contas do Ministério da Economia, a isenção sobre o diesel significará uma queda de 3,7 bilhões de reais na arrecadação neste ano. O efeito da desoneração sobre o gás de cozinha é menor. A estimativa é de 922 milhões de reais neste ano e de 945 milhões de reais em 2023.
Para compensar essa perda de arrecadação, o Ministério da Economia elevou a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 20 por cento para 25 por cento. Também acabou com a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para pessoas com deficiências na compra de veículos que custam até 70 mil reais. E encerrou o Regime Especial da Indústria Química (Reiq), que garantia uma tributação diferenciada ao setor. O fim da isenção do IPI passa a valer imediatamente. Já as mudanças na CSLL e no Reiq entram em vigor no início de julho. Todas as decisões terão de ser aprovadas no Congresso Nacional.
À primeira vista e em uma avaliação rápida – ou seja, incorreta – as medidas fazem sentido. Afinal, o gás de cozinha é um item essencial em 99,9 por cento das residências brasileiras. Em um país em que 68 por cento das cargas são transportadas por caminhões, varrições no custo do óleo diesel são repassadas para toda a economia. Assim, nada mais justo do que tributar os malvados bancos para reduzir o preço da comida de milhões de brasileiros, certo?
Errado.
A decisão é questionável por três motivos. Em primeiro lugar, no Brasil os bancos são um oligopólio. Apesar do crescimento das fintechs e da incursão de empresas de varejo pelo segmento financeiro, os bancos ainda são responsáveis por algo entre 80 por cento e 90 por cento dos empréstimos concedidos para indivíduos e empresas. Quando a concorrência não existe ou é fraca, quem domina o mercado tem o poder de fazer preços. Assim, não é preciso ter um doutorado em economia para saber que, discretamente e aos poucos, os bancos vão repassar esse aumento do tributo para os custos do crédito e as tarifas de serviços. Ainda mais se, daqui a duas semanas, o Comitê de Política Monetária (Copom) ratificar as expectativas e começar a elevar a taxa Selic.
Em segundo lugar, a decisão mostra a incapacidade de o governo – Executivo e Legislativo – cortar seus próprios gastos. Antes de apreciarem a elevação dos tributos sobre os bancos (e sobre os clientes dos bancos), os nobres deputados querem aumentar em 18 bilhões de reais a fatia do Orçamento destinada a emedas parlamentares. Quase quatro vezes mais que a perda de arrecadação estimada com a isenção totalizada do gás de cozinha e do óleo diesel.
E, finalmente, mas não menos importante, a decisão é questionável porque altera a estrutura tributária e a estrutura de custos da economia sem grandes estudos, reduz a previsibilidade dos resultados das empresas e aumenta a incerteza futura sobre os movimentos do governo. A isenção sobre o diesel é uma medida populista. Se o governo pode aliviar para os caminhoneiros e passar a conta para os banqueiros, o que impede Brasília de isentar arroz e feijão de impostos e passar a tributar os planos de saúde? Ou zerar a mordida do Leão sobre os medicamentos e aumentar o IPI sobre os automóveis? A lista potencial de medidas é potencialmente interminável e inegavelmente prejudicial à economia, aos trabalhadores, empresários e investidores.
E Eu Com Isso?
A terça-feira começa com um movimento de baixa nos contratos futuros de Ibovespa e do índice americano S&P 500. Por aqui, a queda segue a desvalorização do fim dos negócios da segunda-feira, quando os investidores já começaram a reagir negativamente à elevação dos impostos sobre os bancos.