Definida a eleição presidencial, já está em andamento a transição de governo, que tem como um primeiro foco a elaboração do orçamento do próximo ano, inclusive para que possam ser cumpridas promessas de campanha, além da manutenção das despesas de várias áreas de governo. Entre as prioridades, a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600,00, que deve voltar a ser chamado de Bolsa Família, com acréscimo para crianças das famílias que recebem o benefício; o reajuste real do salário mínimo e o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil.
Como o cobertor é curto, as discussões serão em várias frentes. As despesas com o Auxílio podem ser asseguradas através de uma PEC de transição a ser aprovada ainda neste ano, pelos atuais congressistas, os mesmos que aprovaram a chamada PEC kamikaze, que além do auxílio incluiu vários outros benefícios, às vésperas das eleições, sob um estado de emergência. Os valores dessa licença para gastos acima do teto ou a proposta inicial da equipe de Lula ainda serão definidos no começo da próxima semana, com o posicionamento do presidente eleito.
A isenção do Imposto de Renda também tem de ser aprovada neste ano, para já começar a valer no próximo. Nesse caso, além da Comissão de Orçamento, as conversas envolvem lideranças da Câmara e do Senado e podem antecipar as articulações para as eleições das presidências das duas casas, o que, em tese, já pode servir para ampliar a base de apoio do futuro governo, preocupado em garantir maioria no Congresso.
Especificamente em relação à negociação orçamentária se percebe uma flexibilização maior até da base de apoio de Bolsonaro, o que confirma a possível adesão de boa parte do chamado centrão. E um dado relevante do ponto de vista da responsabilidade fiscal é o fato de, desta vez, as transferências de dados estarem sendo acompanhadas de perto pelo TCU, o Tribunal de Contas.
Enfim, embora tenha ocorrido uma forte resistência de apoiadores de Bolsonaro, com bloqueios em rodovias e outras manifestações, no plano político, por enquanto, não se nota maior resistência. Claro que o futuro Congresso, que toma posse no começo do ano, terá um perfil mais conservador, com mais apoiadores do atual presidente, que podem querer negociar também a chamada pauta de costumes. Mas um avanço maior da transição na área econômica pode estabelecer bases importantes para 2023. Lembrando que nas prioridades do futuro governo também está a ampliação do crédito de fomento dos bancos estatais, a ampliação de investimentos em infraestrutura e na área habitacional, como o antigo PAC e o Minha Casa Minha Vida, transformado no Casa Verde Amarela.
Enfim, o que se vê é disposição para o entendimento e articulação política, sem maiores embates, o que se poderá comprovar ou não a partir da próxima semana. Mas há urgência, porque muita coisa terá de ser definida antes do final do ano, período em que há maior dispersão de políticos, principalmente dos não eleitos, com o ineditismo de em 2022 também ter Copa do Mundo.
Quanto ao mercado, a reação tem sido favorável, até pela indicação de que o governo Lula poderá ser uma frente mais ampla, de centro esquerda, sem pautas dominantes do PT ou da esquerda. Também a conferir. A instabilidade dos ativos tem vindo mais de fatores externos, como as sinalizações de maiores apertos dos juros nas economias desenvolvidas, como sinalizado pelo Federal Reserve, BCE e do Reino Unido, reforçando os riscos de retração das economias, além dos impactos sobre fluxos de investimento, com possíveis implicações para o Brasil. Implicações que vão depender muito do cenário político e econômico a ser estabelecido pelo governo Lula, sendo que as especulações quanto aos nomes que farão parte da futura equipe também têm provocado algumas reações imediatas do mercado, que espera não ver frustradas as expectativas de uma gestão mais ortodoxa na economia.