A inflação continua no topo das preocupações e levando a ações que podem ter efeitos colaterais negativos. Se percebe até uma certa cautela dos bancos centrais em promover todo o ajuste dos juros que seria necessário para alcançar resultados mais efetivos rumo ao cumprimento de metas. A ata do FOMC sinalizou mais ajustes de 50 pontos, pelo Federal Reserve, sem descartar alta de 75 como cogita o mercado, diante de renovadas pressões inflacionárias. Os dados mais recentes do PIB, com perda de ritmo, é que esfriaram um pouco essa expectativa. No Brasil, o IPCA 15, com alta de 0,59% no mês e de 12,20% em 12 meses, reforçou as revisões para cima das projeções de inflação do mercado, que rondam os 9% para este ano, enquanto o Banco Central tenta manter a perspectiva de uma parada no ciclo de alta da Selic nos 13.25%. Porém, mesmo que ainda tenhamos predominância de pressões do lado da oferta, a disseminação dos aumentos mostra que a inflação está longe de uma trajetória que estabeleça expectativas mais compatíveis com a meta. A Selic em 13.75% segue no radar.
A questão é que juros têm efeito contracionista e o mundo convive com a previsão de expansão menor pelos efeitos da política de lockdown na China, os efeitos da guerra Rússia Ucrânia, com ameaças até para o abastecimento de alimentos. Nos Estados Unidos os dados são contraditórios; Tem a retração da atividade em meio â demanda ainda aquecida, com boas condições do mercado de trabalho. No balanço ainda há margem para um maior aperto da política monetária. No Brasil, a inflação tem ampliado o risco fiscal por estratégias determinadas, em boa dose, por preocupações políticas em ano de eleições. As sucessivas trocas na direção da Petrobras e a mudança no Ministério da Energia demonstram claramente a intenção do governo de segurar os aumentos, mesmo que isso traga riscos de abastecimento, em especial para o diesel. A defasagem em relação aos preços internacionais pode afetar a importação do produto, necessária para o abastecimento doméstico. Do outro lado o Congresso também está trabalhando pra minimizar aumentos através da limitação do ICMS em 17%, o que atingiria também a energia, telecomunicações, transportes, querosene. Perdas para os Estados, que tentam reverter a medida, teriam compensação semelhante a complicada Lei Kandir, das exportações. Os Estados já antecipam perdas de receita e disputas judiciais. Para o governo que já cortou impostos sobre combustíveis, produtos industrializados e vários importados fica a possibilidade de ainda bancar as compensações. Está aí um dos focos de ampliação do risco fiscal.
Ainda se fala em compensação para a contenção dos reajustes dos combustíveis, em benefícios para os caminhoneiros e está em aberto a questão do reajuste do funcionalismo, cuja proposta de aumento linear de 5% vai exigir mais cortes no orçamento, com boa possibilidade de não acomodar as expectativas das várias categorias do servidores. No início quando falei de projeções do mercado para inflação e Selic, me referia a análises distribuídas por várias instituições financeiras, sem a apuração do Focus, comprometida pela paralisação parcial de funcionários do BC.
Enfim, o governo parece disposto a comprometer receita e resultados da Petrobras em troca de inflação um pouco menos elevada, deixando distorções para o próximo ano, independentemente de a herança de desafios ficar com ele mesmo, em caso de reeleição. Situação que, inevitavelmente, nos remete ao governo Dilma e todo o tarifaço que tivemos de encarar pra compensar tais distorções, que tentaram cria um ambiente artificial de evolução mais favorável dos preços. Vale lembrar que também estão em pauta, no Congresso, a suspensão de reajustes das distribuidoras de energia e mudanças nos critérios de reajuste dos preços da Petrobras. É a base de apoio do governo também jogando por interesses políticos, sob o argumento de estar preocupada o aumento do custo de vida.
A inflação, sem dúvida, está no topo das preocupações globais e precisa ser controlada para conter efeitos nocivos que produz no poder de compra da população, com implicações sociais e reflexos na própria atividade. Há vários meses estamos convivendo com a inflação em dois dígitos. Mas é preciso atenção às estratégias de controle para evitar efeitos colaterais ainda mais nocivos. E estratégias que podem não evitar futuros aumentos de preços, por uma conjuntura mais adversa, como a que transformou a inflação nesse grande desafio.