Uma das maiores tentações a que os governantes estão sujeitos é a do voluntarismo. Há vários nomes para essa tentação. O mais conhecido deles é “vontade política”. Quer dizer que, se houver “vontade”, as coisas acontecem, ainda que o momento não seja adequado, que a ideia não seja defensável ou que as consequências sejam potencialmente desastrosas. Nunca, desde que tomou posse em 2019, o governo federal esteve tão perto de cair na tentação do voluntarismo. A substituição de Roberto Castello Branco pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna, diretor-geral de Itaipu Binacional, mostra bem isso.
Formalmente, Castello Branco deverá permanecer no comando da estatal por mais alguns dias. Pelo estatuto da Petrobras, o presidente da empresa também tem de ser membro do Conselho de Administração. Por isso, antes de tomar posse, Luna e Silva terá de ser eleito conselheiro e ter sua indicação avaliada pelo Comitê de Pessoas, um órgão estatutário, que é vinculado ao Conselho e que é responsável por analisar os prontuários dos indicados para diretorias da estatal. Essas exigências foram implantadas durante a presidência de Michel Temer, para melhorar a governança da Petrobras após os ilícitos ocorridos no governo anterior.
Indicado para o comando da Petrobras desde o início do governo Bolsonaro, Castello Branco seguiu e aprofundou a correta orientação adotada por seu antecessor, o executivo Pedro Parente. Ambos se dedicaram a cortar custos e a reduzir o endividamento, e levaram a empresa a se desfazer de atividades consideradas não essenciais. Castello Branco foi muito além e iniciou o processo de privatização das refinarias. Até há alguns anos considerado uma atividade estratégica, o refino é um dos gargalos da Petrobras. Não por acaso, os escândalos que envolveram a estatal ocorreram durante a contratação de novas refinarias. Ao preparar a transferência dessas atividades – que são importantes, mas não estratégicas – para a iniciativa privada, Castello Branco reorientou a Petrobras para dedicar seus recursos ao que interessa, a prospecção e extração do petróleo.
O que incomodou o governo Bolsonaro foi a política de preços dos combustíveis, que também foi adotada na gestão Temer. Durante a gestão de Dilma Rousseff, a Petrobras manteve os preços dos combustíveis artificialmente baixos, e descolados das cotações do petróleo no mercado internacional. Essa política provocou grandes prejuízos e tornou a estatal a petrolífera mais endividada do mundo. Para corrigir isso, os preços praticados nas refinarias passaram a ser corrigidos seguindo as cotações do mercado internacional – expressas em dólares. Com isso, os combustíveis subiram, tanto pela alta da commodity quanto pela depreciação do real. Prejuízo na veia dos caminhoneiros, importantes na base eleitoral do governo. Em suas primeiras declarações após a indicação, Silva e Luna negou que o presidente tenha pedido mudanças na política de preços. No entanto, ele disse que, além de pensar nos investidores, a empresa precisa enxergar as “questões sociais”. Quem conhece dois dedos de história das estatais sabe que essa é a senha para problemas.
Para acrescentar mais uma dose de incerteza, durante um evento em uma escola militar em Campinas, interior de São Paulo, no sábado (20), Bolsonaro disse que haveria mais mudanças nesta semana e que iria “meter o dedo na energia elétrica também”. Pelos comentários que circularam na imprensa durante o fim de semana, o governo pode usar 70 bilhões de reais em fundos setoriais e tributos federais para reduzir as tarifas de energia. Não há detalhes sobre como isso seria feito. Porém, se esses rumores se confirmarem, será mais uma pressão de desequilíbrio sobre as contas públicas.
E Eu Com Isso?
A reação do mercado às propostas de mudança no comando da Petrobras e de intervenção nos preços da energia promete ser ruim. Os American Depositary Receipts (ADR) da Petrobras negociados em Wall Street estão em queda de mais de 15 por cento no pré-mercado. O Exchange Traded Fund (ETF) IShares MSCI Brazil recua 7,3 por cento na pré-abertura, indicando um dia turbulento para os pregões, e para as ações da Petrobras e da Eletrobras em especial.